Mordidaço de Suárez:
maior punição da história das Copas
Meus
amigos: vale a pena refletir sobre as duras punições impostas pela Fifa, ao
uruguaio Luís Suárez, que mordeu o zagueiro italiano Chiellini. Luisito Suárez
provou, desde logo (mais uma vez), que dentro de todos os humanos existe um
animal, que deve ser domesticado (Nietzsche). Há dois caminhos para se alcançar
essa domesticação: educação e disciplina. A primeira, se fosse totalmente
efetiva, tornaria inócua a segunda. Desde a pré-história o humano acredita
muito na disciplina, quando a prioridade deveria ser a educação. Que pena que a
humanidade (que com muito custo chegou ao grande meio-dia) ainda não entendeu
bem esse tema!
A
disciplina, por meio do castigo, impõe limites ao animal que
carregamos dentro de nós. A educação, por meio do conhecimento e da ética,
elimina ou domestica o lado animal portado pelos humanos. Uma coisa é punir,
outra educar. A punição se volta contra o animal (contra o desvio, contra o
errado, contra o violador das regras). A educação se orienta ao humano. A punição
castiga um ato passado. A educação mira o futuro. Se queremos humanos
eticamente melhores, devemos educá-los. O castigo, por si só, não educa. Porque
sua natureza não é essa, sim, a de impor limites ao nosso lado animal. Se
queremos disciplinar e educar, temos que pensar em punições educativas (ou
seja: punição + educação, que são duas coisas distintas).
Querer
arrancar exclusivamente da punição o efeito educativo é um erro. Muitas vezes,
má-fé (porque em nome da educação pode-se punir muito mais que o necessário). A
punição foi feita para ficar na memória do punido como advertência, como
recordação. É por isso que ela segue a antiga psicologia da mnemotécnica:
"Imprime-se algo por meio de fogo para que fique na memória (na
recordação) somente o que sempre dói; a dor é o auxílio mais poderoso da
mnemotécnica" (Nietzsche 2011: 60). Aquilo que gera dor pode nos impor
limites, mas não educa. O que educa é a empatia, o conhecimento e a ética.
Quando os humanos evoluírem, não mais imporão somente castigos punitivos (como
hoje acontece). No futuro os castigos se transformarão em punições educativas
(fazendo-se as duas coisas: punição + educação). Nas sociedades mais atrasadas
em que o desejo de punição alcança níveis patológicos (de vingança), ela é
usada como meio para deseducar ainda mais o condenado. Isso é o que é feito nos
presídios brasileiros. Erro crasso, totalmente contrário à educação. Só
favorece o lado animal, que fica mais embrutecido. Obscurece, ao mesmo tempo,
nosso lado humano (educativo).
A
Fifa puniu severamente Suárez. Reprovou um ato passado. Mas também o espetáculo
fabuloso do futebol (tal como a convivência humana fora dos estádios) requer
mais: requer a consciência de que devemos sempre desenvolver "a arte de
viver bem humanamente", que é a ética. Viver humanamente significa
respeitar todos os humanos (mesmo sabendo que todos têm dentro de si um
animal), a natureza, os animais e o bom uso das tecnologias. A punição do
"animalito" que existe dentro do Luisito Suárez (e de todos nós)
deveria ser acompanhada de uma série de exigências educativas (tratamento
psicológico efetivo, curso de ética e de direitos humanos, colaboração com
atividades comunitárias positivas, desenvolvimento da empatia etc.). A punição
isolada, mesmo que severa, não oferece certeza de que o ato errado nunca mais
será repetido. O melhor antídoto contra a reincidência (e a violência) provém
da educação, posto que ela é a única que pode nos introjetar a consciência da
ética, ou seja, da arte de viver humanamente. Parafraseando Louis Bonald, a
cultura forma sábios; a educação e a ética, os humanos.
LUIZ FLÁVIO GOMES - jurista e diretor-presidente do Instituto Avante Brasil.
Estou no professorLFG.com.br e no twitter: @professorlfg
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