MH 17
Malaysian Airlines: entre o amor e o ódio, a morte
Quando os deuses do acaso resolvem ceder espaço
para os desvarios do homem, a gente se dá conta de que a natureza símia ficou
muito longe dessa raça evoluída que perdeu o pêlo e o rabo.
Como o amor é bom para mitigar os ardores
da alma e do corpo, quem vai tirar umas férias com a namorada na Malásia, só
pode estar feliz. E quem está feliz, numa boa, não está nem aí para desgraças
ou para teses sobre o comportamento da raça humana, e aproveita a boa fase da
vida para fazer pilhérias até com o acaso.
O holandês Core Pan estava feliz, como todo
mundo que pode passar férias com a namorada na Malásia. Antes de embarcar no
voo MH 17 da Malaysian Airlines, ele se lembrou do voo MH370 da mesma
companhia, que simplesmente evaporou no ar, sem os avisos evanescentes da morte.
E resolveu fazer um gracejo com os amigos, que não iam passar férias com as
namoradas na Malásia. Fotografou a aeronave e postou no Facebook: “se
desaparecer, ei-lo como era”.
Acreditando certamente que o raio não cai
duas vezes no mesmo lugar, Core Pan naquele momento estava longe de se entregar
à cogitação de que o homem nasceu macaco, se fez homem e se tornou pior do que
seus ancestrais, quando pôs em funcionamento a inteligência.
Nem pensou nisso que, usando da capacidade
de produzir ideias, o ex-peludo transformou os instintos de que lhe dotara a
natureza em instrumentos de exacerbação do “ego”: o instinto de sobrevivência
em violência, o de autosuficiência, em ganância de poder.
Que o homem se move entre o amor e o ódio,
todo mundo sabe. Também a ninguém escapa a certeza inelutável de que o ódio
leva à destruição do amor, mas esse não destrói aquele. Nem Jesus Cristo, um
homem transformado em mito ou um mito transformado em homem, conseguiu, através
do amor, vencer o ódio. A doutrina dele varou os séculos, mas foi impotente
para emprestar ao amor o mesmo poder de fogo do ódio.
Enquanto a 10 mil metros de altura, no
interior do Boeing 777 da Malaysian Airlines, rumo a Kuala Lumpur, se
comemoravam a vida e o amor, lá embaixo, no rés do chão, se alimentava o ódio.
Sacudidos pela ganância do poder, escravos da intolerância, longe de comemorar
a vida, se adestravam nos instrumentos da morte. De lá que partiu o ódio,
com seu poder de destruição.
E uma tempestade luminosa, provocada por
míssil, decretou o fim de 298 vidas. Em questão de minutos, nos campos de trigo
e girassol do leste da Ucrânia se espalhavam cadáveres nus, corpos calcinados,
pedaços de criaturas humanas.
Mesmo que as vítimas tenham sido poupadas
aos sobressaltos do terror e à agonia da espera pela morte (indulgência que até
civilizações tidas como modelo negam a seus justiçados) não se pode ignorar a
crueldade. E tudo isso serve como mostra irretorquível de que inocentes mesmo
eram nossos ancestrais, os macacos, que não gozavam da proteção de deuses e nem
sabiam o que era dignidade.
João Eichbaum - advogado e autor do livro Esse Circo Chamado Justiça.
Nenhum comentário:
Postar um comentário