O
comportamento agressivo de crianças (“child-to-parent”) ou adolescentes
(“adolescent-to-parent”) direcionadas aos pais vem se tornando um importante
tema no contexto da violência doméstica.
Entende-se
aqui comportamento agressivo ou violento como qualquer tipo de expressão verbal
ou física que ameaça os pais ou visa o controle de sua autoridade parental. O
objetivo final (intencional ou não) é inverter a regra usual, segundo a qual os
filhos obedecem aos pais.
Não
se tratará aqui de comportamentos agressivos em portadores de transtornos
mentais graves (espectro do autismo, esquizofrenia, retardo mental etc.), uma
vez que estes fazem parte dos sintomas destes transtornos.
Também
não é o caso de chamar toda criança ou adolescente com comportamento agressivo
de portador de “transtorno de oposição e desafio”, pois esta é uma saída
“fácil”, reducionista, e não contribui para aprofundar a compreensão do
problema.
O
comportamento agressivo é inerente ao ser humano. É uma característica da
espécie. Em parte, relacionada à própria sobrevivência; em parte, ao
comportamento que visa hierarquizar os membros do grupo. A criança nasce
potencialmente capaz desse comportamento. À medida que cresce, seu
desenvolvimento neuropsicomotor, gradualmente, permite que expresse tal
comportamento.
A
criança nasce sem noção de limites. Tão logo começa a engatinhar e dar os
primeiros passos, avança na exploração do meio ambiente, na tentativa de
compreendê-lo e dominá-lo. A partir desse momento, precisa que os pais (e
adultos, em geral) exerçam o papel de impor limites, uma vez que essa
necessidade de exploração pode colocar a criança em situações de risco. Além do
perigo, a imposição de regras permite que a criança adquira valores para
convívio social.
Esse
aprendizado precisa começar logo cedo (nos primeiros meses de vida).
O
estabelecimento de regras e limites claros facilita a vida da criança, pois ela
não tem maturidade para julgar o que deve e o que não deve fazer. O exemplo dos
pais também é fundamental, já que a criança tem tendência em imitar o
comportamento deles. A medida que cresce, ela incorpora tais regras, aprende
gradualmente a tolerar frustrações e, aos poucos, vai respeitando os limites
por si mesma, desenvolvendo sua capacidade de autocontrole.
Há
ainda poucos estudos sobre os fatores que levam ao comportamento agressivo das
crianças em relação aos pais. No entanto, parece haver um certo consenso de que
a violência doméstica, seja entre os pais, seja entre os pais com as crianças;
é um importante fator que influencia no comportamento dos filhos. Inversamente,
pais excessivamente indulgentes e permissivos, com dificuldade para colocar
limites nos filhos, favorecem as reações agressivas.
Um
fator cultural recente, que também justifica o aumento destes atritos, é a
mudança na autoridade dos pais em relação aos filhos. Hoje, vemos com
frequência pais e filhos no mesmo patamar hierárquico. E há diversos motivos
que contribuíram para esta mudança: uso de drogas, depressão, exposição à
violência nas diversas mídias eletrônicas (TV, filmes, videogames, internet
etc.), pressão de colegas que podem afetar a personalidade do jovem, entre outros.
Então,
o que fazer? Seria possível prevenir ou evitar que os filhos se tornem
agressores dos pais? Embora não haja uma garantia de sucesso, algumas regras
mínimas podem ajudar a reduzir o risco dessa situação:
1.
O primeiro passo é a conscientização dos pais de que é sua responsabilidade
educar os filhos. A educação se dá pelas orientações e explicações dadas aos
filhos, e também pelo próprio modo como os pais se comportam. Os pais são os
primeiros modelos que os filhos observam e procuram se espelhar.
2.
Devem também se conscientizar de que há uma hierarquia na relação pais-filhos,
sendo que os pais estão num patamar superior em relação aos filhos. Pode, e
deve, haver amizade entre pais e filhos, mas é preciso deixar claro que esta
amizade é diferente daquela que eles têm com seus amigos e colegas.
3.
Não há como educar sem impor limites. E a colocação de limites começa cedo, tão
logo a criança começa a explorar o ambiente.
4.
Os limites devem ser tão claros quanto possível, de modo a não deixar dúvidas
para a criança. Ela tentará ultrapassar o limite, mas saberá direitinho qual é
o limite e saberá que está testando os pais quanto à colocação do limite.
5.
Não adianta querer poupar a criança da colocação de limites. Se os pais não
fizerem isso, a vida real (o mundo “lá fora”) o fará, de forma muito mais dura
e sem piedade.
6.
Pais devem estar de acordo quanto ao limite. Se um diz “não” e o outro diz
“sim”, a criança aproveita a brecha e “deita e rola”. A incoerência entre os
pais (um diz ‘sim’ o outro diz ‘não’) é frequente quando estes são separados,
uma vez que muitas vezes a criança é usada para provocar o ex-cônjuge.
7.
Os limites podem variar gradualmente, conforme a idade da criança; da mesma
forma, as recompensas e as punições, se o limite é cumprido ou não. Os elogios,
quando a regra é cumprida, e as repreensões, quando não é cumprida, também
fazem parte desse processo.
8.
É importante conversar com a criança sobre suas reações à frustração, para que
ela aprenda a expressá-las de modo verbal, e não fisicamente.
9.
Se a situação começa a sair do controle, procure logo ajuda psiquiátrica ou
psicológica. Não espere, pois quanto mais tarde é a intervenção terapêutica,
mais difícil conseguir um bom resultado.
Em
uma situação de agressão já estabelecida, será necessário também buscar ajuda
especializada para uma avaliação detalhada da criança/adolescente e da família
nuclear. Em geral, já se estabeleceu uma certa dinâmica de interação patológica
entre os membros da família, o que sugere a necessidade de intervenções não
apenas para tratar a criança/adolescente agressivo, mas para trabalhar e
modificar a dinâmica familiar.
Prof.
Dr. Mario Louzã - médico psiquiatra e psicanalista. Doutor em Medicina pela
Universidade de Würzburg, Alemanha. (CRMSP 34330)