Falava contido. Parecia decidido, embora abafado. Não era, de maneira alguma, confidência. Aparentemente, refletia mais do que narrava. Creio que me fez de ouvinte tão só para pensar alto. Como fosse muito reservado, suponho que não lhe foi fácil dizer as suas reflexões emocionadas. Contou-me que se deixou chorar. Chorou desbragadamente. Sofreu de dar dó.
Até fiquei espantado de ver: não relutou sofrer seu
sentimento de perda. Sensação de vazio, disse. Quando se foram os soluços do
seu pranto, foi mais fundo em busca de mais dor. Se mais dor houvesse, havia de
encontrá-la. Queria ter todo o seu sofrimento de uma vez só, cumprir sua
aflição. Chorou, chorou, até que passou o choro. Passou o choro. A dor não
passou.
Mas o que seria isso? Será que ainda sofria por amor? O
vazio que sentia não era o da morte do querer que lhe tocava? Paixão que fosse,
não estava pranteada até seu esgotamento? Desejara, na verdade desejava ainda,
certa mulher. Era um desejo todo entregue ao princípio do prazer. Não tinha
censuras, não tinha limites, estava aberto ao que pudesse acontecer.
Seguiu contando com vagar. Um dizer forte em voz calma.
Havia uma ternura que fazia a relação ser delicada; existia uma sexualidade
primitiva que nunca se deixara purificar. Era sexo intenso, com vontade
lasciva, mas que não terminava no gozo dos corpos. Continuava no gentil, no
delicado, no carinho que vinha depois de o desejo gozar. E o desejo gozava
muito.
Pois com tudo isso, no meio disso tudo nasceu tristeza.
Como podia? Com essa gana toda, com esse afago todo, já nem tudo se perecia
igual. Encontrou-se fazendo contas. Contas! Nunca, nunca poderia ter
acontecido. Não cabiam contas naquela relação amorosa. Amor de só deixar solto,
amor tesão. Contudo, bateu-lhe a primeira conta daquele amor sem fim.
Talvez depois da primeira mentira. Ela declarou sentir
mais do que sentia. Ela afirmava, mas faltava à afirmação. Traía o empenho do
seu dizer. Quando a ouvia outra vez sobre tanto amor, sentia algo de banal, uma
declaração vazia de vontade. Essa foi a primeira conta e a primeira dor: o dizer
dela não sucedia, era um dizer que atraiçoava o dito, que não aconteceria.
Vivia com ela entranhada em si. Nos sonhos, no
pensamento. Ingênuo, não trazia astúcia nas coisas do querer. Sim, já se
informara a respeito. Tinha noções sobre as diversas ciências do assunto: amar
é desejar ser amado; a menina quer o pai; uma mulher, entre cheiros, quer o
homem com o cheiro do progenitor; o homem procura a semelhança da mãe.
Sobrevivência: a fêmea reprodutora busca o macho
protetor; a compatibilidade decorre da combinação de resistências a micróbios
nocivos; tudo é aleatório e depende da chance de aproximação; a atração do
fazer rir, do intelecto, do dinheiro; a teoria do safado: o canalha atrai a
mulher. Coisa nenhuma disso lhe explicava o choro ir-se e o desgosto
permanecer.
Zygmunt Bauman, fragilidade dos laços humanos, amor
líquido. Nada, ainda que seu sentimento se tenha escorrido em lágrimas. Só
sabia que a sua afeição se transformara. Era outra coisa. Enrijecera. Não há
modo melhor de dizer. Ela, fácil, fácil, ainda diz que o ama. Ele recebe com
aflição as declarações de amor. Não desconfia. Não confia. Deixar ver.
É que amor não é argumento. Não é explicação. Palavras temperam a convivência, mas amor é gesto: dar, receber; detalhes, cuidados. Mais do que dito, o amor é feito. Agora não sofre mais. Ou é outra tristeza. Como já não liga tanto, sofre porque sente falta de estar apaixonado. Gostava de gostar dela. Mas, é a vida! Fazer o quê? Não foi sincero o seu amor.
Léo Rosa de Andrade
Doutor em Direito pela UFSC.
Psicanalista e Jornalista.
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