A devastadora crise no sul do Brasil completa 30 dias como uma trágica consequência de eventos climáticos extremos. A comunidade científica já havia alertado para as condições de clima e geografia vulneráveis do Rio Grande do Sul, mas não foi prevista a magnitude dessa catástrofe, diferente de tudo que já se observou. Cientistas do Instituto de Pesquisas Hidráulicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul divulgaram na imprensa estimativas de que 14.2 trilhões de litros de água foram despejados no estuário do Guaíba nos primeiros 7 dias da enchente. Isso corresponde à metade do volume de água do reservatório da usina de Itaipu, que tem o triplo do tamanho do Guaíba. Hoje se contabilizam mais de 169 mortos, 50 desaparecidos, 600 mil desalojados em 471 cidades, estando a capital ainda duramente atingida. Os abrigos em todo estado acolhem hoje 50 mil pessoas. As redes de apoio comunitário são gigantescas e comovem pelo trabalho diligente, longe da luz dos holofotes. A ajuda chega de todo o país que solidariamente se mobiliza.
Na área da saúde preocupam os casos
de leptospirose que passaram de um único registro nas semanas que antecederam o
desastre, para mil registros na última semana de maio. Ainda não foram
contabilizados os problemas de saúde decorrentes das interrupções em redes
sensíveis como a dos cuidados de pacientes em situação crítica, transplantes, e
tratamentos oncológicos. Muitos desses tratamentos indispensáveis para
manutenção de vidas foram interrompidos no meio do caminho. Os impactos em
saúde mental chegam num momento em que a recuperação da pandemia do COVID-19
não estava consolidada. Lidar com o estresse pós-traumático e a depressão são
desafios crescentes. A solidariedade e empatia não serão suficientes e
procedimentos eficazes testados à luz da ciência devem ser implementados para
atender a população em tempo hábil. É o momento de unir esforços para
reconstruir o Rio Grande do Sul. E também tempo de reflexão. O lado mais
sombrio dessa crise é seu aspecto premonitório. Os eventos climáticos extremos
serão recorrentes e afetarão mais e mais as águas das bacias do RS, nossos
mananciais, nossas matas e outros biomas. No Brasil e no mundo.
Hoje, quem percorre as ruas da
cidade de Porto Alegre observa um cenário de guerra. As imagens obtidas por
satélite mostram os fluxos d’água entumecidos. A própria água que transborda
tem a cor barrenta da terra que derrete, misturada com detritos orgânicos. A
densidade da água com os sedimentos e a rapidez na descida das encostas estão
associadas ao dano em estruturas como pontes. Como as bandeiras hasteadas ao
contrário, no RS pessoas e animais estão nos telhados das casas, aeroportos
estão submersos e embarcações foram encontradas sobre estaleiros nos locais
onde o nível da água já baixou. Não é apenas um pedido de socorro. É mais um e
dessa vez, agonizante sinal de alerta. Um alerta para que as leis existentes
para lidar com desastres transicionem para legislações preventivas, com
permanente gestão de riscos futuros.
As ações para atender as vítimas
estão a caminho e o mundo Acadêmico tem muito a contribuir para que a ciência
ilumine as ações de saúde e auxilie no cálculo da retaguarda necessária. Há
também que observar as inovações dos atendimentos online e a saúde digital -
essa crise deve acelerar o uso da tecnologia como ferramenta central no
funcionamento do SUS. Da área das engenharias surgem soluções para o manejo da
água em casos de inundação, tornando tragédias como essa evitáveis. Em suma, a
ciência terá protagonismo nas ações de saúde. Os cientistas já lideram a
avaliação dos impactos do desastre e criação de modelos preditivos para
informar estratégias de prevenção. Esse momento de crise é também a
oportunidade de adequar o próprio conceito de saúde, que deve englobar o
cuidado com o ambiente e considerar as alterações do clima. Todos esses
elementos interagem e deles emerge o conceito de uma saúde única. A situação no
Rio Grande do Sul é um exemplo eloquente da necessidade desse enfoque.
As Academias Nacional de Medicina e
Brasileira de Ciências, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência e o
Ministério da Saúde trabalham unidos na mitigação da atual crise de saúde e
prevenção de agravos. O futuro dos eventos climáticos extremos já chegou.
Estejamos atentos ao que a ciência tem a dizer para preservar vidas e evitar
futuras catástrofes.
Academia Nacional de Medicina,
Academia Brasileira de Ciências e Sociedade Brasileira para o Progresso da
Ciência.
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