Riscos podem ser minimizados com soluções pensadas na estrutura de armazenamento da substância, comum no agronegócio
Uma das substâncias químicas mais utilizadas como fertilizante em todo o mundo guarda um alto potencial explosivo, muitas vezes ignorado. O nitrato de amônio é muito popular no Brasil, em especial nas plantações de café e soja. A substância, contudo, tem histórico de acidentes pelo planeta, quando exposta a pressão ou calor. Com pouca legislação nacional específica sobre o tema, o armazenamento desse produto pode ser um perigo invisível em grandes empresas de setores industriais e do agronegócio. Com alguns cuidados específicos, que podem ser previstos e corrigidos já na engenharia de fábricas e armazéns, o grande risco pode ser muito reduzido.
“Há desconhecimento do perigo dessa substância”, comenta Felipe Capucci, Gerente de Projetos da Gerolin Engenharia. “Quando aquecido, o nitrato de amônio entre em decomposição liberando nitrogênio, oxigênio e água, que se expandem e podem produzir uma onda de choque, ampliando a área de impacto. O nitrato de amônio decompõe muito rápido”, complementa. Os gases possuem volume muito maior do que do nitrato e se expandem em todas as direções. Caso haja material combustível no mesmo espaço, ou ainda impurezas, uma pequena faísca ou fagulha pode desencadear esse processo, na combinação de fatores desfavoráveis que levem à queima.
Para
ocorrer uma queima, é preciso ter quatro fatores: combustível, comburente,
calor e a reação em cadeia. “O nitrato de amônio por si só não é combustível,
mas pode fornecer as outras três partes, todas provenientes da decomposição
dele”, destaca Capucci.
Beirute
Um caso recente que trouxe à tona importantes discussões sobre segurança contra incêndios em áreas com depósitos de componentes químicos foi o de Beirute, em 2020. A cidade libanesa tinha sofrido com uma megaexplosão na zona portuária, e poucos dias depois, um armazém de pneus e óleos pegou fogo e destruiu estoque de ajuda humanitária, segundo o Comitê Internacional da Cruz Vermelha. O armazém continha mais de duas mil toneladas de nitrato de amônio sem medidas de segurança. “Beirute já é uma região quente, e com o armazenamento em espaço confinado com outros materiais (havia um estoque de fogos de artifício no local), isso se tornou um risco de explosão”, destaca Capucci.
O
efeito criou uma onda de choque que impactou prédios da região, destruiu
vidraças e janelas a quilômetros de distância. O impacto pode ser ouvido no
Chipre, que fica a mais de 200 km da costa do Líbano. O acontecido trouxe um
alerta mundial sobre a responsabilidade no cuidado com o nitrato de amônio. Seu
armazenamento precisa ser seguro e seguir algumas regras. Por si só, não é um
componente com risco de explosão, mas se exposto a calor ou misturado a outros
materiais – e quando armazenado em grandes quantidades – pode ser fatal.
Evitar riscos
“O Brasil não tem legislação específica sobre armazenamento de nitrato de amônio”, afirma Capucci. Muitos projetos de engenharia seguem normativas do Corpo de Bombeiros. Leis direcionadas tratam de armazenamento de componentes químicos de modo geral, mas quem lida diretamente com este nitrato, pode se precaver e criar um ambiente ainda mais seguro, adicionando cuidados aos previstos na lei.
O ideal é impedir que um acidente aconteça, e para isso, algumas medidas podem ser tomadas, como isolar parte do material químico. Uma técnica, em caso de aquecimento do material, é forçar o resfriamento, com sistemas como Victor Lance, que impede o aquecimento e resfria a pilha de nitrato. Mas é preciso atentar para alguns detalhes. “Pela possibilidade de liquefazer a substância, pode gerar outro problema, caso o nitrato vá parar em sistemas de água ou em rios, contaminando o meio ambiente”, alerta o gerente de projetos. “Para esse caso, é bom ter mais espaço por onde escoar o material em caso de liquefação. Recomendo uma parte de contenção de líquidos nos galpões, que precisam ser pensados para ser impermeáveis, detalhando isso no projeto”.
O
Ministério do Meio Ambiente sugere a contenção com barragem e serragem, o que
demanda também espaço para ter quantidade suficiente de serragem, por exemplo.
Muitas empresas chegam a ter toneladas de nitrato de amônio. Assim, uma maneira
de evitar gastos com novos materiais é repensar o armazenamento do nitrato.
“Espaços mais amplos, que não potencializem a pressão – que pode desencadear a
decomposição – são uma opção”, diz Capucci.
Fiscalização
As leis vigentes que buscam diminuir riscos de incêndio acabam sendo abrangentes, nem sempre levando em consideração que a origem do fogo influencia diferentes formas de combate – nem todo incêndio deve ser combatido com água, por exemplo. A falta de leis bem elaboradas e específicas pode levar a sistemas que não são pensados para cada situação e minimizar o combate ao acidente.
Normas internacionais podem servir de base, como a NFPA 400 – Hazardous Materials Code, Capítulo 11 – Nitrato de Amônia Sólida e Líquida, subitem 11.2.6 – Sistemas de Proteção contra Incêndio. A norma delimita exigências para o estoque de nitrato de amônio, como um sistema automático de sprinklers, extintores na área de carga/descarga e na área de estocagem, e hidrantes. As exigências brasileiras atuais são menos específicas.
Justamente
pelo potencial explosivo, o nitrato de amônio é controlado pelo Ministério do
Exército. “Uma sugestão seria ter o Exército fiscalizando o armazenamento da
substância, evitando potenciais riscos”, opina o gerente de projetos da
Gerolin. “A melhor forma de combater acidentes é aprimorar os projetos de
engenharia pensando em prevenção, em estruturas que não comprimam o material, e
estruturar formas de combater em caso de incêndio”, completa o especialista.
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