Depois do futebol, o segundo maior esporte nacional é colocar a culpa nos outros. O objetivo consiste em transferir para fora a causa de nossos males, como se fosse da água do mar e não dos furos no casco a responsabilidade pelo afundamento do navio. Tudo serve, desde que não se torne necessário um mea culpa.
Para evitá-lo, decidimos que o
Brasil é um país rico. Sendo assim, embora o PIB per capita nos situe pouco
acima da linha do miserê, o Estado deve gastar como numa eterna terça de
carnaval e não houvesse amanhã. Em inusitada e superfaturada declaração de
rendimentos, nos proclamamos “ricos”. E estamos tão convictos disso que não
hesitamos em crer quando nos dizem que norte-americanos e europeus, ou
chineses, ou africanos, parceiros dos nossos adversários políticos, sejam de
que banda forem, viveriam séculos de necessidade sem a sistemática exploração
do Brasil.
Afinal, convenhamos: só mandamos para Brasília gente da melhor qualidade,
admiráveis estadistas, homens sábios, austeros e dedicados exclusivamente ao
interesse público, que fugiram do endividamento e combateram ferozmente a
corrupção e a impunidade. Não estivemos, durante um quarto de século, sob
governos de esquerda, atualizados com o que há de mais moderno em pensamento
político?
Pode haver modelo mais bem
sucedido do que esse que insistentemente preservamos em todas as constituições
republicanas e referendamos em dois plebiscitos? Só alguém muito tolo (como eu
mesmo) não notou ainda aquilo que todo cidadão esclarecido percebe: a concepção
engenhosa e funcional do nosso sistema, que afasta os demagogos e atrai para a
vida pública os maiores talentos que a nação produz. Não é certo que ele gera
estabilidade e instituições sólidas? Não produz ele partidos e programas que se
sobrepõem aos grupos de interesse? Não é como conseqüência dele que o eleitor
brasileiro, lúcido e participativo, comparece periodicamente às seções de votação
movido pelos mais nobres ideais, estimulado à fascinante tarefa de escolher os
melhores dentre os muito bons?
Por outro lado, dado que a
riqueza de uma nação também se apóia em certos requisitos sociais, nosso povo é
orientado a apreciar valores morais elevados. A arte, a cultura, a educação, o
civismo e a ordem pública têm entre nós a devida reverência, não é mesmo?
Admiramos nossos presidentes porque gastam com prudência. Bem sabemos que
nossos parcimoniosos legisladores condenam todo privilégio e dedicam
pentecostal fidelidade a seus partidos. Orgulhamo-nos de que nossas leis,
redigidas com sabedoria, valendo para todos e refletindo a vontade social,
valorizam a família, a conduta austera, a iniciativa privada, a propriedade, a
ordem, a justiça e a liberdade exercida com responsabilidade. Um novo século de
Péricles, 2,5 mil anos depois!
Um país assim só pode ser objeto da mais cobiçosa exploração. Se no que nos
concerne como nação, sempre
fizemos nossa parte, a máxima culpa dos males brasileiros só pode ser dos
outros, não é mesmo?
Percival
Puggina - membro da Academia Rio-Grandense de Letras e Cidadão de Porto Alegre,
é arquiteto, empresário, escritor e titular do site Conservadores e Liberais (Puggina.org);
colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o
totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil
pelos maus brasileiros. Membro da ADCE. Integrante do grupo Pensar+.
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