Tradições em
colônias de imigrantes precisaram ser adaptadas com a Covid-19
“Agora, em tempos de coronavírus, a presença é
limitada e muitas pessoas ficam nas ruas, entre a igreja e o cemitério, para
acenar para os enlutados e assim prestar sua solidariedade”. O relato é da
Roselin de Best, moradora de uma colônia holandesa em Carambeí (PR), sobre como
as famílias de imigrantes precisaram adaptar suas tradições de apoio a quem
perdeu amigos e parentes durante o período de pandemia. Com os cuidados de
distanciamento social, a tradição fúnebre também foi afetada e a solidariedade
às famílias tem sido prestada a distância.
Mesmo com as adaptações, a forma com que as pessoas
lidam com a morte e o luto está muito relacionada à cultura e à tradição local.
Visitas a cemitérios, flores, velas, cantigas e orações fazem parte dos
costumes de muitas famílias no dia 2 de novembro. O ritual criado na Roma do
século XII tem um forte significado para a Igreja Católica e seus seguidores.
No Dia de Finados, amigos e familiares que morreram são homenageados em rezas e
orações, um ato para interceder pelas almas que estariam no purgatório passando
por um processo de purificação, segundo a fé católica cristã.
No Brasil, a morte é vista como um assunto delicado
e que causa certo incômodo pelo luto e ausência de entes queridos. Mas, em
regiões com forte influência da imigração, tradições relacionadas à despedida
trazidas pelos primeiros imigrantes são mantidas. É o caso das colônias
holandesas no Paraná, que resgatam no Brasil a forma com que os Países Baixos
encaram a morte. De acordo com Roselin, a Holanda vê a morte como um fato que faz
parte da vida e pelo qual todas as pessoas irão passar em um determinado
momento. “A cultura holandesa encara a morte de uma maneira mais natural, não
faz muito mistério. Claro que ficam tristes, de luto, mas falam mais
abertamente sobre a morte. Em holandês a palavra seria ‘nuchter’, que traz um
tom menos emotivo talvez”, conta Roselin.
Os próprios rituais fúnebres revelam essa
naturalidade holandesa. Tradicionalmente, toda a comunidade se envolve nos
preparativos do velório em solidariedade à família e unidos pela Igreja.
Enquanto o Dia de Finados no Brasil tem influência da Igreja Católica, os
costumes holandeses estão ligados à Igreja Reformada, seguindo a linha
Calvinista. Bernardo Bouwman, morador da colônia holandesa Castrolanda, em
Castro (PR), conta que a igreja tem um papel fundamental na comunidade,
prestando suporte para a família e unindo voluntários.
“Quando alguém morre, o presbítero é imediatamente
avisado para visitar a família e organizar tudo. O interessante é que a família
não se envolve com o enterro. O presbítero reúne todos os vizinhos e separa
quem vai ficar em casa cuidando da família, quem fica responsável pela
alimentação e até quais serão os vizinhos que vão abrir a cova para enterrar o
corpo. E toda essa união da comunidade é feita de forma voluntária para que a
família não se preocupe com nada”, comenta Bernardo.
As diferenças de culturas também estão presentes na
construção dos cemitérios. Com jardins amplos e uma estrutura minimalista,
esses locais reforçam a naturalidade dos Países Baixos. “O cemitério da nossa
Igreja IERA (Igreja Evangélica Reformada Arapoti) é diferente também por
questão da tradição reformada, que é mais discreta, diferente da tradição
católica, que usa túmulos mais elaborados”, comenta Janet Bosch, moradora da
colônia holandesa em Arapoti (PR).
No Brasil, essas colônias mantêm viva a tradição
holandesa, mas a migração pode mudar alguns costumes. Na Holanda, os corpos são
velados por uma semana, enquanto no Brasil dura no máximo 36 horas. Tal
diferença acontece pelo clima. O frio europeu permite a conservação dos corpos,
o que é inviável no Brasil por causa do clima tropical. “A tradição de um povo
é vista de muitas formas e todas elas são importantes para preservar a riqueza
de uma cultura e fazer com que cada ritual siga de geração para geração”, diz o
vice-presidente da Associação Cultural Brasil-Holanda, Albert Kuipers.
Associação Cultural Brasil-Holanda (ACBH)
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