Em grego, oikos (eco) significa casa e nomos (nomia) significa lei/ordem. A junção destes dois conceitos fez surgir a palavra Economia, que, de maneira simplista, pode ser entendida como o gerenciamento da casa. Ecologia também é uma palavra de origem grega. Nela, juntam-se as palavras oikos e logos (logia), que significa saber/estudar. Ecologia trata, portanto, do estudo do local onde nós, e os demais seres, vivemos.
Ainda que estas palavras estejam
interrelacionadas em sua origem, o gerenciamento de nossa casa leva muito pouco
em conta o conhecimento que temos sobre ela, produzido pela ciência.
Desenvolvimento econômico e conservação da natureza costumam ser, com poucas
exceções, antagônicos na forma como atuam. O estudo da casa deveria embasar
suas atividades econômicas de forma a propiciar benefícios sociais, econômicos
e ambientais para todos.
Estimativas
indicam que os serviços ecossistêmicos, providos gratuitamente pela natureza,
respondem por cerca de US$ 125 trilhões por ano na economia global. Por
exemplo, no Brasil, 60% das culturas agrícolas dependem de polinização por
animais, representando benefícios de aproximadamente US$ 12 bilhões por ano a
este setor. Atualmente, dois terços da energia elétrica consumida no Brasil
provêm de usinas hidrelétricas que dependem da integridade de ecossistemas,
especialmente florestas, para manter o regime de recarga hídrica funcionando.
Mais de 245 espécies da flora brasileira são base para produtos farmacêuticos e
cosméticos e a resiliência de nossas cidades a eventos climáticos extremos está
diretamente relacionada à presença de ambientes naturais conservados.
Está claro
que nossa sociedade e economia dependem diretamente da capacidade da natureza
em nos propiciar condições necessárias para gerar prosperidade e bem-estar.
Segundo a Plataforma Intergovernamental sobre Biodiversidade e Serviços
Ecossistêmicos, a perda da biodiversidade e a degradação dos ecossistemas
dificultarão o cumprimento de 80% das metas dos 17 Objetivos de Desenvolvimento
Sustentável, estabelecidos pela ONU para serem atingidos até 2030. A perda da
biodiversidade não é apenas uma questão ambiental, mas também econômica, de
desenvolvimento, de segurança social e moral.
Grande parte
dos maiores riscos identificados pelo Relatório de Riscos Globais, do Fórum
Econômico Mundial, são ambientais. Os sinais de que estamos enfrentando uma
crise ambiental global são bastante evidentes e o colapso ecológico será
inevitável, se mantivermos o cenário de uso insustentável dos recursos
naturais.
As coisas
não podem continuar como estão! Todos podemos perceber que não é mais possível
vivermos em um mundo onde os setores de nossa economia, em sua maioria, criam
impactos negativos que tentam ser reparados por recursos públicos e
filantrópicos, com sucesso limitado e a um elevado custo.
Nesse
contexto de grandes desafios, o campo de investimentos e negócios de impacto
positivo possui função extremamente relevante e com potencial de direcionar o
mundo dos negócios para uma economia que respeite e contribua para a manutenção
e recuperação dos limites ecológicos do planeta e, ao mesmo tempo, gere
prosperidade socioeconômica.
O
capitalismo se tornou insustentável em seu formato atual. Ele precisa de uma
mudança radical. De acordo com Sir Ronald Cohen, a revolução tecnológica está
sendo seguida pela Revolução do Impacto, que nasce da simples ideia de que nós podemos
converter o foco obstinado pelo lucro, para o lucro com impacto socioambiental
positivo, redirecionando grandes fluxos de recursos para recuperarmos nosso
planeta. Ao se combinar lucro e impacto, altera-se a natureza de nosso sistema
ao ponto em que não serão mais aceitáveis negócios criados apenas para
lucrar.
Devemos
trazer o impacto positivo, de uma vez por todas, para o centro de nossas
discussões. Em vez de contarmos apenas com governos e com a filantropia para
atingirmos melhoras sociais e ambientais, precisamos passar a contar também com
os negócios, como aliados capazes de acelerar o ritmo da mudança. Investidores
e negócios precisam ser encorajados e cobrados pela sociedade para que passem a
tomar decisões baseadas não mais apenas na relação risco/retorno, mas na
relação risco/retorno/impacto. No século 19, investidores focavam no retorno.
No século 20, o risco passou a ser considerado nesta conta. Agora, em pleno
século 21, devemos adotar um novo modelo que considere risco-retorno-impacto.
Para apoiar
esta transição, desde 2019 está em execução o Programa Natureza
Empreendedora, cujo propósito é apoiar e fortalecer empreendedores e
negócios que atuam de forma a gerar impacto positivo na conservação da Grande
Reserva Mata Atlântica, região com o maior remanescente contínuo deste bioma em
nosso país, e que busca utilizar-se deste ativo para imprimir uma nova forma de
desenvolvimento regional. Agora, está em curso a elaboração do 1º Mapa de
Empreendedorismo Sustentável dos 46 municípios da região para identificar e dar
visibilidade a negócios e iniciativas dessa modalidade.
Também em
andamento, a Rede de Investimento de Impacto em Conservação da Natureza
busca influenciar investidores, por meio articulações e divulgação de conteúdo
qualificado, para que, cada vez mais, investimentos em negócios com este
propósito entrem em seu portfólio.
O momento
único causado pela pandemia de Covid-19 pode gerar oportunidades. A necessidade
de ações para ativar a geração de emprego e renda cria um momento para a adoção
de soluções sustentáveis como impulsionadoras da economia. No Brasil, a
prioridade por investimentos sustentáveis poderia mobilizar recursos entre R$
890 bilhões e U$ 1,3 trilhões até 2030, segundo previsões da Comissão Econômica
para a América Latina e o Caribe, o que garantiria um crescimento anual em
torno de 1,6% do PIB.
Seria um
desperdício não aproveitarmos este momento para uma mudança estrutural em nossa
economia, considerando ao máximo as oportunidades geradas pela conservação e
pela recuperação de nossos ambientes naturais dos quais tanto dependemos, e não
apenas buscarmos recuperar níveis anteriores de crescimento econômico, por meio
de velhos caminhos.
Guilherme Karam - coordenador de Negócios e Biodiversidade da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza
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