Já há consenso sobre a contribuição dos biocombustíveis para uma matriz energética mundial mais limpa. Mas os benefícios líquidos da bioenergia na mitigação de gases de efeito estufa (GEE) ainda são um tema controverso. Contra a sustentabilidade dos biocombustíveis, argumenta-se, por exemplo, que a conversão de terras não agrícolas em lavouras de culturas energéticas pode resultar em grande redução inicial de armazenamento do carbono estocado – conhecida como “dívida de carbono”.
Um estudo
realizado por um grupo internacional de pesquisadores, publicado na
revista Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS),
contribui para resolver essa discórdia.
A pesquisa
indicou que o cultivo de switchgrass –
gramínea que cresce em muitas regiões da América do Norte – para produção de
etanol celulósico nos Estados Unidos tem potencial de mitigação de GEE por
hectare comparável ao reflorestamento e várias vezes maior do que a restauração
por pastagens.
A
expectativa é que o avanço das tecnologias e a integração de captura e
armazenamento de carbono a curto prazo (CCS) melhorem ainda mais o potencial de
mitigação de sistemas de bioenergia por hectare por um fator de,
aproximadamente, seis em relação ao desempenho atual, aponta o estudo.
O trabalho
foi apoiado pela
FAPESP por meio de um projeto conduzido pelo pesquisador John Joseph Sheehan,
da Universidade de Minnesota (Estados Unidos), na Faculdade de Engenharia
Agrícola (Feagri) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), no âmbito do
programa São Paulo Excellence Chair (SPEC).
O primeiro
autor do estudo, o pesquisador Lee Rybeck Lynd,
do Dartmouth College (Estados Unidos), iniciou em fevereiro um projeto no
Centro de Biologia Molecular e Engenharia Genética (CBMEG) da Unicamp apoiado pela
FAPESP também no âmbito do mesmo programa.
“O estudo
permite compreender em um nível de detalhe maior os fatores e estratégias que
são importantes para implantar a produção de biocombustíveis de forma a
contribuir para a estabilização do clima”, diz Lynd à Agência FAPESP.
Série
de questionamentos
De acordo
com os autores do estudo, um dos questionamentos em relação aos biocombustíveis
celulósicos é se as safras de matérias-primas podem ser obtidas de forma
sustentável, ou seja, sem produzir reduções autodestrutivas no carbono
armazenado.
Além da
dívida de carbono – resultante da conversão de terras não agrícolas em lavouras
de culturas energéticas –, a utilização de terras agrícolas produtivas, com
baixos estoques de carbono, para a produção de biocombustíveis também pode ser
contraproducente se as culturas de alimentos forem deslocadas, aumentando as
emissões de GEE em outros lugares.
As
preocupações com esse efeito, conhecido como mudança indireta do uso da terra,
podem ser minimizadas ou evitadas se a produção da matéria-prima para
biocombustíveis ocorrer em terras agrícolas de baixa produtividade ou
abandonadas. Uma alternativa seria utilizar terras poupadas do uso agrícola
contínuo por meio da intensificação agrícola ou mudanças na dieta alimentar da
população.
Como o
reflorestamento oferece um uso alternativo dessas terras para mitigação das
emissões de carbono, os críticos dos biocombustíveis ponderam que a avaliação
da produção de bioenergia nessas áreas deve considerar o “custo de
oportunidade”.
“Os
principais estudos até agora publicados estimam que as mudança induzida no uso
do solo são, em média, zero, embora a mudança indireta do uso da terra continue
a ser invocada como uma crítica-chave aos biocombustíveis”, afirma Lynd.
Embora
esses argumentos tenham sido inicialmente aplicados aos biocombustíveis de
primeira geração – obtidos a partir de açúcar, amido ou óleo vegetal de
culturas alimentares cultivadas em terras agrícolas –, as críticas em relação à
dívida de carbono, à mudança indireta do uso da terra e aos custos de
oportunidade foram posteriormente invocadas para a produção de biomassa
celulósica para geração de biocombustíveis avançados e eletricidade.
Com base
nesses e em outros argumentos, estudos recentes sugeriram que o uso da terra
para produção de matéria-prima para geração de bioenergia tem resultados
climáticos abaixo do ideal e recomendaram redirecionar os esforços em pesquisa
e o apoio político para a gestão do carbono biológico estocado na terra.
Essas
conclusões, no entanto, são frequentemente baseadas em estimativas secundárias
de desempenho do sistema de bioenergia, e os custos de oportunidade de
mitigação geralmente não levam em consideração a captura e o armazenamento de
carbono a curto prazo ou melhorias tecnológicas futuras, ponderam os autores do
estudo.
“Cada uma
das críticas que abordamos no estudo tem alguma legitimidade no sentido de que
apontam para fatores que podem negar os benefícios climáticos dos
biocombustíveis. Porém, isso foi confundido com a proposição de que os
biocombustíveis não podem ou não oferecem benefícios climáticos”, pondera Lynd.
Para
refutar os argumentos dos críticos da sustentabilidade dos biocombustíveis, os
pesquisadores usaram modelagem para estimar o potencial de cultivo de switchgrass e a produção de biocombustível a
partir da gramínea para substituir fontes de energia fóssil e sequestrar
carbono diretamente em comparação com outros esquemas de mitigação baseados no
uso da terra, como reflorestamento e pastagens.
O modelo
foi calibrado para fazer simulações temporais de trocas de carbono entre a
atmosfera e a biosfera sob diferentes opções de uso da terra em três locais nos
Estados Unidos.
Os
resultados das análises indicaram que nas áreas em que os agricultores estavam
fazendo a transição para o cultivo da gramínea para a produção de etanol
celulósico o potencial de mitigação por hectare é comparável ao reflorestamento
e várias vezes maior do que a restauração de pastagens.
O estudo
também indicou que melhorias futuras plausíveis na produção de culturas para
energia e tecnologia de biorrefino, juntamente com CCS, atingiriam um potencial
de mitigação entre quatro e 15 vezes maior do que a restauração de florestas e
pastagens, respectivamente.
“Também
constatamos que a cobertura natural da terra e a maturidade tecnológica da
cadeia de abastecimento fazem grande diferença na determinação dos benefícios
relativos da mitigação de GEE pelos biocombustíveis e na restauração da
vegetação natural”, diz Lynd.
O cultivo
de switchgrass pode ser particularmente útil em regiões dos Estados Unidos onde
a vegetação natural é composta por grama, em vez de árvores, indica o estudo.
No futuro,
os pesquisadores pretendem usar a modelagem em escala nacional nos Estados
Unidos.
“Uma
direção importante apontada pelo estudo é analisar maior diversidade de locais,
lavouras de culturas energéticas e processos de conversão, incluindo aqueles
concebidos para incorporar a produção de biocombustíveis de maneira consistente
com a economia circular”, explica Lynd.
A
metodologia também poderia ser aplicada para analisar a produção de
biocombustíveis a partir da cana-de-açúcar no Brasil, ressalta o pesquisador.
O
artigo Robust paths to net greenhouse gas mitigation and negative
emissions via advanced biofuels”(DOI:10.1073/pnas.1920877117), de
John L. Field, Tom L. Richard, Erica A. H. Smithwick, Hao Cai, Mark S. Laser,
David S. LeBauer, Stephen P. Long, Keith Paustian, Zhangcai Qin, John J.
Sheehan, Pete Smith, Michael Q. Wang e Lee R. Lynd, pode ser lido em www.pnas.org/content/early/2020/08/19/1920877117.
Elton Alisson
Agência
FAPESP
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