A sobrecarga do Judiciário é um antigo problema no Brasil. Desde 2010, o número de novas ações só aumenta e, com a pandemia, isso deve se acentuar ainda mais. Para pensar em soluções que permitam acelerar a resolução de processos e desafogar a justiça brasileira, é preciso entender alguns fatores que contribuem para esse acúmulo de processos.
Um deles é a lei que garante a gratuidade de
justiça como forma de acesso ao judiciário. A medida é extremamente positiva.
No entanto, não há um controle rígido por parte do Judiciário na concessão do
benefício da gratuidade, levando à utilização indevida e, muitas vezes, abusiva
por pessoas físicas e jurídicas no acesso à justiça. Além disso, temos os
juizados especiais civis e criminais, cuja utilização não depende do
recolhimento de custas pelo jurisdicionado. Nesses dois exemplos, a
desnecessidade de desembolso inicial de valores e ausência de risco quanto à
perda da ação – ou seja, sem que o derrotado tenha de arcar com as custas pagas
pela parte vencedora – funcionam como um estímulo à propositura de ações
judiciais pouco consistentes.
Por exemplo: a IATA (Associação Internacional de
Transportes Aéreos) divulgou números que mostram o Brasil como o país onde mais
são propostas ações contra companhia aéreas. De 100 voos internacionais entre o
Brasil e os Estados Unidos, 79 voos serão objeto de uma ação judicial, segundo
a IATA. Nos Estados Unidos, que possui o maior mercado de aviação do mundo,
somente 0,01 por cento dos voos serão objeto de uma ação judicial. É preciso
quebrar essa litigiosidade.
Para complicar ainda mais a situação, além da
Justiça Federal e da Estadual, a organização judiciária brasileira prevê
justiças especializadas, como a trabalhista, a eleitoral e a militar, cujos
recursos podem terminar no STF. Por fim, os entes federados estão entre os
maiores litigantes no Brasil. A União, por exemplo, respondeu por quase metade
das execuções fiscais, em 2019.
Diante do cenário de crise que ainda está por vir,
é de extrema importância criar soluções para evitar que os processos se
alonguem, como a conciliação. Apesar de estar prevista em diversas leis, como
no Código de Processo Civil (Lei nº 13.105 de 2015), essa importante medida
ainda é subutilizada. Segundo o relatório Justiça em Números, produzido pelo
CNJ (Conselho Nacional de Justiça), apenas 12,5% dos processos foram
solucionados desta forma em 2019.
Para avançarmos em relação ao tema, é preciso haver
um esforço conjunto do Poder Público e da sociedade civil no sentido de
entender que a briga, o conflito, não são a melhor opção para resolvermos os
problemas. O Poder Público tem o dever de estimular a conciliação, seja por
meio da legislação (leis procedimentais prevendo a conciliação como forma de
resolver a disputa judicial ou extrajudicial, o que já existe), seja por ações
específicas, como, por exemplo, a Semana Nacional da Conciliação organizada
pelo CNJ desde 2006.
A sociedade civil (os cidadãos e as empresas), por
sua vez, tem de compreender e realizar a sua capacidade de resolver os
problemas sem a necessidade de intervenção do Judiciário. Em uma disputa,
sempre haverá os dois lados da controvérsia, de modo que apreender a ceder, em
algumas situações, é fundamental para se chegar a soluções negociadas para os
problemas.
As faculdades de direito também têm um papel
relevante para estimular e desenvolver a capacidade de compreensão dos futuros
bacharéis quanto à importância da negociação, não só estimular a cultura do
convencimento, da persuasão, como se o papel do advogado fosse, simplesmente,
de vencer o duelo da argumentação com o advogado da outra parte.
Acredito que a desjudicilização deve ser o
principal caminho para aliviar as demandas do Judiciário, com meios de
resolução de conflitos como a negociação, a mediação, a conciliação e a
arbitragem. A negociação é realizada pelas próprias partes, sem a intervenção
de terceiros. É o caso do consumidor que resolve amigavelmente um problema com
o vendedor ou prestador de serviços.
Já a mediação envolve a participação de um terceiro
(mediador), que auxiliará as partes na solução da disputa, facilitando o
diálogo entre elas, mas que não interferirá no acordo, ou seja, não tem poder
decisório. As partes envolvidas na mediação é que devem chegar em um consenso.
A conciliação também prevê a participação de um terceiro (conciliador), o qual,
diferentemente do mediador, poderá adotar uma postura mais ativa, mas,
igualmente ao que ocorre na mediação, sem poder decisório. Por serem soluções
consensuais, é preciso que fique claro que as partes envolvidas em um processo
de mediação ou de conciliação não têm a obrigação de chegarem a um acordo.
Por último, a arbitragem é um método alternativo de
solução de disputas, porém, não é consensual. As partes contratam a arbitragem
para resolver uma disputa que, em regra, seria resolvida no judiciário estatal.
Há consenso entre as partes somente na adoção da arbitragem para resolver a sua
disputa, a qual, no entanto, será decidida por um árbitro ou por um tribunal
arbitral.
Desta forma, ao expandir as possiblidades de
resolução de conflito sem envolvimento do Judiciário, contribuiremos para que a
Justiça se preocupe com casos efetivamente impossíveis de serem resolvidos de
outra maneira. Da mesma forma, conflitos menores poderão ser resolvidos com
mais agilidade e poderemos aperfeiçoar na prática a cultura de conciliação no
país.
Mário
Conforti - advogado e líder da área cível do escritório
Marcos Martins Advogados.
https://www.marcosmartins.adv.br/pt/
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