Não existe uma só pessoa na face da Terra que não conheça a prodigiosa fábula “A Branca de Neve e os Sete Anões”. Aquela em que a alabastrina protagonista cantarola, logo no início da trama, à beira de um poço artesiano: “Um dia eu serei feliz. Sonhando assim.” A moça pálida, entretanto, ao buscar ventura, só não sabia que precisaria passar por uma labiríntica jornada.
E
que fatídica peregrinação seria essa? Assim como acontece na trama, o indivíduo
que almeja encontrar o seu príncipe ou princesa encantada(o), necessita passar
pelo caminho que o psicanalista suíço Carl Jung denominou de “individuação”.
Isto é: atrever-se rumo à sombria floresta interna, perder-se e, só assim,
poder acoplar as suas partes rumo ao happy ending.
Na
visão do fundador da psicologia analítica, individuar-se é tornar-se um ser
unificado e indivisível em que cada pedacinho do psiquismo é reconhecido,
aceito e assimilado pelo centro de si mesmo (Self). E como este processo se dá
na prática? A primeira etapa, para Jung, parte da vontade de abrir mão da fase
“sou o dono do mundo” rumo ao processo de luto reparador.
Sabe
aquela cena em que Branca está no meio do bosque e, de tamanho terror, cai aos
prantos no chão ao dar de cara com múltiplos seres abomináveis? Pois bem,
pode-se dizer que os fantasmas, simbolicamente, representam os seus fragmentos
mentais dissociados e o choro epifânico o big moment da personagem na
narrativa, que cai no abismo da não existência.
Os
episódios que vêm em seguida são conhecidos. Lembra-se da cantoria ”Eu vou, eu
vou, para casa agora eu vou. Parara-tim-bum, parara-tim-bum!”? De maneira
metafórica, ela personifica aquela pequena voz, lá no fundo do inconsciente,
que premedita a chegada dos “sete sintomas” pelo qual a pessoa enlutada passará
até que o ciclo integrativo se complete.
E
quais seriam eles? “Zangado”, o mais rabugento dentre os homenzinhos da trama,
alude à raiva que ronda aquele que caiu em enegrecimento. Rejeitar a realidade,
inconformando-se com ela, é a maneira envenenada pela qual a bruxa que habita o
aparelho psíquico se utiliza para se evadir do desprazer proporcionado pela
perda da onipotência de pensamento.
E
o que dizer do “Soneca”? Muitas vezes, querer dormir em um lindo “Esquife de
Cristal” até que o cavalo branco chegue é o mecanismo de defesa ideal para não
sentir tudo aquilo que se foi. Em outras palavras, sonolência em excesso ou
estar continuamente em estado de letargia, apesar de ser um sintoma comum,
devem ser tolerados e sentidos como parte do processo.
Mãos
ao rosto e “Atchim!”. A melancolia e o baixo estado de espírito podem
reverberar diretamente no sistema imunológico do desolado. Logo, não é
estapafúrdio que resfriados, gripes, dores pelo corpo e demais somatizações
deixem os dias menos belos. A dica é: cuide-se. Quanto mais afeto você tiver em
relação aos seus sintomas, mais rápido eles irão embora.
Sentindo-se
“Dengoso”? A perda do objeto amado possui outra importante consequência: na
seara emocional, ainda restam fragmentos do “era uma vez” de outros tempos.
Aqueles que, mesmo morando em um palácio, eram engolidos com ódio enquanto
lavava os excrementos da Rainha Má. São eles que o(a) perseguem, gerando
estados de desamparo e insegurança.
“Feliz”
por que comeu a deliciosa torta de maçã? No pesar, o estado exagerado de
felicidade nada mais é do que uma estratégia de fuga psíquica. Intitulada
mania, quando o sujeito se dá conta, já está dançando e cozinhando para outros
pequenos seres diminutos que conhecera outro dia no bosque perto de casa. Isso
sem falar da pitoresca habilidade de falar com animais.
Dando
muitas ordens por aí? Talvez seja aquela parte de você que, nesta etapa, se
comporta como o “Mestre”. Diante do abismo e do caos provocados pela perda,
querer controlar o mundo à sua volta é uma forma refratária de compensação:
“Controlo o lado de fora para que, ilusoriamente, eu tenha a sensação de que
estou conseguindo controlar o lado de dentro”.
Por
fim, se você chegou ao aspecto “Dunga” do luto, parabenize-se. Isto significa
que, por mais estranha seja a sua mágoa, já é capaz de conviver e se divertir
com a sombra daquilo que um dia padeceu. Pegue o seu espelho de mão, admire-se
e, só então, profetize a frase: “Espelho, espelho meu. Existe alguém mais
inteiro do que eu?”. Verá como tudo terá valido a pena.
Renan Cola - psicanalista da É Freud, Viu?
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