Há 75 anos, o governo Harry Truman decidiu que poderia abreviar a guerra com o Japão jogando sobre o seu território um novo artefato, com um poder destrutivo sem precedentes. E jogou não um, mas dois desses artefatos, sobre Hiroshima e sobre Nagasaki. O resultado foram mais de duzentos mil mortos e uma nova e irreversível realidade: os humanos tornaram-se capazes de destruir a vida no planeta Terra.
A Ética é o
ramo da Filosofia que estuda a conduta humana. A condição para a Ética é a
necessária reflexão sobre como devemos agir em um mundo no qual não é possível
nos eximir da presença das outras pessoas. Aristóteles é uma espécie de
"pai" da Ética, pois escreveu o seu “Ética a Nicomaco” para mostrar
ao filho como alcançar um estado de espírito pleno, a eudaimonia,
em meio às outras pessoas. Para isso, o filho de Aristóteles não podia pensar
só em si mesmo, mas no bem comum, na felicidade como algo coletivo. A Ética,
portanto, busca a melhor forma de existência comum entre as pessoas.
Kant, no
século XVIII, também pensou uma ética para melhorar o mundo, igualmente voltada
para a relação com as outras pessoas, condicionando a conduta a um comando que
poderia ser resumido assim: "é ético agir se a sua ação puder ser algo que
qualquer um também possa fazer, sem prejuízo para os outros.” Kant submete
nossa condição de pessoas éticas à nossa própria avaliação racional, sem a
necessidade de nenhuma instância superior, metafísica, divina. Somos capazes de
agir corretamente a partir de nossa própria avaliação das coisas. Só precisamos
fazê-lo.
Todas essas
reflexões, porém, centraram-se nos humanos, ignorando os outros seres vivos do
planeta, e isso por uma razão simples: não havíamos ainda desenvolvido a
capacidade de por em risco as espécies animais e vegetais da Terra. Nosso
problema era com a gente mesmo. Mas isso foi antes das bombas atômicas. Quando
os cientistas que se uniram em torno do projeto Manhattan e decidiram construir
um artefato capaz de liberar uma quantidade tão grande de energia que seria
capaz de devastar o planeta, pensavam em proteger o mundo da loucura do
nazismo. Parecia nobre a causa e os cientistas acreditaram que poderiam ajudar
a paz mundial. No entanto, Hitler caiu sem precisar desse estratagema e Truman
resolveu usar as bombas para acabar com a guerra no Pacífico e, ao mesmo tempo,
mandar um recado para Stalin. Os cientistas se sentiram traídos mas, enfim, já
era tarde.
Pensar uma
ética que envolva a natureza, todas as formas de vida, e que permita aos
cidadãos comuns controlarem os projetos dos cientistas, parece ser a urgência
do nosso tempo. Os avanços da tecnologia - o que ingenuamente chamamos de
progresso - parecem legitimar a ação da ciência, como se os cientistas não
fossem pessoas com falhas de caráter como qualquer um de nós. Como afirma o
filósofo Hans Jonas, a ciência é um exercício do poder humano, e toda forma de
ação humana está sujeita a uma avaliação moral. Um mesmo poder pode ser usado
para o bem e para o mal. A técnica moderna se traduz enquanto poder humano
enormemente aumentado. Daí precisar ser tratada como um caso novo e especial.
Cabe ao cientista ter a obrigação em relação à integridade do ser humano do
futuro. Dessa responsabilidade se depreenderia que o homem não pode tratar com
descuido nem o mundo da vida extra-humana, nem a si mesmo.
As bombas
mostraram nosso limite em relação ao quanto a ciência é capaz de colocar-nos em
risco. Todos os que virão têm direito a uma vida autêntica, com rios, mares, ar
puro e a convivência dos outros seres vivos. É dever de todos nós ensinarmos às
futuras gerações para que tenham consciência disso e que possam exigir esse
controle. As duas bombas foram recado suficiente para nos alertar. Ou construímos
uma nova ética ou um dia o planeta inteiro será Hiroshima, será Nagasaki.
Daniel
Medeiros - doutor em Educação Histórica e professor no Curso
Positivo.
danielmedeiros.articulista@gmail.com
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