No tribunal da
internet não existe espaço para retratação, mas no Direito, sim. Movimento que
começou no mundo virtual, transpassa barreiras e exige cautela
Quem usa redes sociais há muito tempo,
principalmente aquelas mais informais, como o Twitter, com certeza já deve ter
se preocupado com postagens antigas. Desde 2017, com a repercussão do Movimento
#MeToo, a cultura do cancelamento ganhou força na internet, principalmente
entre os mais jovens.
O que começou como uma forma de conscientizar sobre
certas falas e comportamentos que desrespeitam determinados grupos, se tornou
um mecanismo para deslegitimar a presença de pessoas ou empresas no debate
público, muitas vezes, simplesmente por demonstrarem pensamentos impopulares.
“Cancelar” uma pessoa, tanto física quanto jurídica, costuma significar
descredibilizar suas ações, falas e trabalho, deixando de segui-la nas redes
sociais e influenciando outros a fazerem o mesmo.
Esse comportamento revela uma sociedade que não
está muito aberta e interessada em ouvir argumentos e entrar em debates
civilizados, buscando apenas declarações diretas e posicionamentos concisos,
como “sou a favor” ou “sou contra”. Para a advogada Caroline Cavet, do
escritório Caroline Cavet Advocacia, é preciso ficar atento às consequências
desse cancelamento fora da internet. “O policiamento, por um lado, é positivo, pois
nos obriga a tomarmos cuidado com o que postamos e como nos posicionamos,
entretanto, o que está acontecendo atualmente vai de encontro ao conceito de
empatia, tão difundido no mundo virtual. A internet, de fato, nos dá mais
liberdade para emitirmos nossas opiniões, mas não devemos esquecer que as
atitudes online têm efeitos no âmbito real, podendo ser consideradas como
injúria e difamação. Vale lembrar que a imagem é atributo proeminente na
internet e está diretamente ligada a remuneração e monetização de marcas”.
No tribunal da internet não existe espaço para
retratação, mas no Direito, há. Muitas vezes, o cancelado, por não encontrar
maneiras de se justificar ou até mesmo por não obter o alcance necessário para
sua defesa, acaba recorrendo a medidas judiciais contra os que disseminaram
ofensas ou informações falsas a seu respeito, visando a reparação de sua
imagem. “Devemos ter sempre em mente o dever da reparação que pode incidir aos
que publicam esse tipo de conteúdo sem sensatez. Entretanto, não é qualquer
abordagem mais ostensiva que gera o dever de reparar, para este é necessário a
comprovação de um ato ilícito, o dano e uma ligação entre estes, o dito nexo
casual. Isso porque há uma linha tênue entre o direito à liberdade de expressão
e o direito à privacidade/intimidade”, diz Cavet.
Em um universo onde o número de seguidores afeta
diretamente a monetização de pessoas que utilizam a internet como ferramenta de
trabalho, como produtores de conteúdo e influenciadores digitais, esse tipo de
comportamento pode gerar sérios prejuízos que vão além da honra e da imagem da
pessoa. “Necessitamos, nesses casos, nos colocarmos no lugar do outro e termos
a empatia como farol”, finaliza a advogada.
CAROLINE
CAVET - Atuando há
mais de 10 anos como advogada, é fundadora do escritório Caroline Cavet
Advocacia, que atua nos direitos civil, médico, empresarial e de novas
tecnologias. É presidente da Comissão de Juizados Especiais da OAB/PR,
coordenadora da Comissão de Inovação e Gestão e membro nas Comissões do Pacto
Global e da Saúde, ambas da OAB/PR. Desenvolve pesquisas e escreve sobre
responsabilidade civil, direito médico e novas tecnologias. É vice-presidente
da Pontos com Amor, associação que promove o desenvolvimento social e a
sustentabilidade. Atua também como vogal na Junta Comercial do Paraná e como
conselheira no Conselho de Consumidores da Copel. Uma advogada que faz do seu
trabalho uma iniciativa transformadora.
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