Já um levantamento do Ministério Público de São Paulo mostrou que os pedidos de medidas protetivas de urgência feitos por mulheres cresceram 29% em março em comparação com fevereiro. Em fevereiro, o número de pedidos foi de 1.934, já em março subiu para 2.500. O número de prisões em flagrante por violência contra a mulher, que englobam homicídio, ameaça, constrangimento ilegal, cárcere privado, lesão, estupro, entre outros, também cresceu: foram 177 em fevereiro e 268 em março.
Dados da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos (ONDH) apontam para um aumento de 37,6% nas denúncias feitas ao Ligue 180, disque-denúncia do Governo Federal, no mês de abril de 2020 em comparação com abril de 2019. Na comparação entre os quatro primeiros meses de 2019 e os de 2020, houve um aumento de 14,1% no número de denúncias.
Esses números refletem o agravamento de um enorme problema que enfrentamos no país, o abuso físico, psicológico e sexual de mulheres e crianças.
Com a necessidade inconteste do isolamento social, a importante campanha "Fique em Casa" se tornou também um cárcere privado, referendado pelo estado, para as vítimas. Pesquisa recente também do Ministério Público de SP mostra que 66% dos feminicídios consumados ou tentados foram praticados dentro da casa da mulher agredida.
Outro reflexo negativo da pandemia em casos de abuso se dá pela limitação das ferramentas e possibilidades de denúncia pelas vítimas.
Complicadores como a dificuldade de acesso físico às autoridades policiais, que tiveram redução da carga horária nas delegacias (inclusive a da mulher) e a falta de ferramentas necessárias para realizar a denúncia (uma vez que muitas vítimas são pessoas pobres e não dispõem de um smartphone capacitado), acabam por criar o ambiente ideal para a proliferação destes crimes.
Em um caso em que hoje milito no interior de São Paulo, duas crianças, de 5 e 10 anos, que foram vítimas frequentes de violência e abuso, inclusive sexual, dentro da casa do pai, hoje tem enormes dificuldades em garantir a eficácia da medida protetiva concedida pelo fato das autoridades policiais locais estarem menos disponíveis para impedir que o abusador infernize suas vidas, incluindo ameaças de morte e espancamento, “rondas” ao redor de sua casa e o envio de recados “macabros” por meio de conhecidos.
Este mesmo agressor também passou a me ameaçar pessoalmente de morte. Fui obrigado, mais recentemente, a “evacuar”, na calada da noite, a família ameaçada de sua casa, levando-os para um local longe do agressor.
Importante mencionar que, com a entrada em vigor da Lei Maria da Penha (que ocasionou a criação de milhares de unidades de delegacias da Mulher) e também com a maior conscientização da sociedade dos efeitos perversos do abuso infantil, essas vítimas vinham conseguindo um maior acesso às autoridades para suas denúncias e relatos, muitas vezes extremamente difíceis de obter por envolver pessoas absolutamente traumatizadas.
Entretanto, desde o início da pandemia, estamos regredindo a olhos vistos no combate a estes tipos de violência.
Entendo que uma possível solução, neste momento de pandemia, seria as autoridades se voltarem para as particularidades deste tipo de denúncia e a necessidade visceral de proteção estatal que estas vítimas necessitam, oferecendo opções para que não se tornem “presas fáceis” de seus abusadores.
A vítima de abuso precisa ser atendida ao vivo, ser ouvida fisicamente, ainda que em ambiente aberto ou ao ar livre. É preciso que as autoridades pensem em um novo protocolo de atendimento neste momento de crise sanitária, evitando que vidas e futuros sejam perdidos.
Os advogados de direitos humanos são a principal e, por vezes, a única saída dessas vítimas, mas também se tornam um alvo dos agressores. Os profissionais do direito que trabalham nestes tipos de casos comumente sofrem ameaças de morte e são igualmente colocados em risco pela menor disponibilidade policial ocasionada pela pandemia.
Se faz necessária uma ampla discussão sobre a segurança dos advogados de direitos humanos e sua proteção pela polícia.
Vivemos uma silenciosa crise de segurança pública quando o assunto é violência e abuso de mulheres e crianças no Brasil. O confinamento de famílias e a dificuldade de interferência externa nas situações de violência estão sendo os vetores deste novo cenário.
O Brasil precisa, com urgência, de uma força-tarefa para o combate ao abuso de crianças e mulheres. Autoridades, advogados e demais atores sociais devem se unir para encontrar soluções efetivas e imediatas para reverter essa curva crescente de casos no país.
Rodrigo Guedes Nunes - advogado de Direitos Humanos do escritório R. Guedes Nunes Advogados.
Nenhum comentário:
Postar um comentário