Números da violência contra a mulher caíram em apenas três
estados
Publicado em 01/06/2020 - 14:34 Por Letycia Bond - Repórter
da Agência Brasil - São Paulo
Na primeira atualização de um relatório produzido a pedido
do Banco Mundial, o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) destaca que os
casos de feminicídio cresceram 22,2%,entre março e abril deste ano, em 12
estados do país, comparativamente ao ano passado. Intitulado Violência
Doméstica durante a Pandemia de Covid-19, o documento foi divulgado hoje (1º) e
tem como referência dados coletados nos órgãos de segurança dos estados
brasileiros.
Feminicídio é o assassinato de uma mulher, cometido devido
ao desprezo que o autor do crime sente quanto à identidade de gênero da vítima.
Nos meses de março e abril, o número de feminicídios subiu de 117 para 143.
Segundo o relatório, o estado em que se observa o agravamento mais crítico é o
Acre, onde o aumento foi de 300%. Na região, o total de casos passou de um para
quatro ao longo do bimestre. Também tiveram destaque negativo o Maranhão,
com variação de 6 para 16 vítimas (166,7%), e Mato Grosso, que iniciou o
bimestre com seis vítimas e o encerrou com 15 (150%). Os números caíram em
apenas três estados: Espírito Santo (-50%), Rio de Janeiro (-55,6%) e Minas
Gerais (-22,7%).
Em comunicado à imprensa, a entidade novamente torna
públicos registros que confirmam queda na abertura de boletins de ocorrência,
evidenciando que, ao mesmo tempo em que as mulheres estão mais vulneráveis
durante a crise sanitária, têm mais dificuldade para formalizar queixa contra
os agressores e, portanto, para se proteger.
Os fatores que explicam essa situação são a convivência mais
próxima dos agressores, que, no novo contexto, podem mais facilmente impedi-las
de se dirigir a uma delegacia ou a outros locais que prestam socorro a vítimas,
como centros de referência especializados, ou, inclusive, de acessar canais
alternativos de denúncia, como telefone ou aplicativos. Por essa razão,
especialistas consideram que a estatística se distancia da realidade vivenciada
pela população feminina quando o assunto é violência doméstica, que, em
condições normais, já é marcada pela subnotificação.
É o que diz a diretora executiva da organização, Samira
Bueno, cuja avaliação assenta-se no fato de que o quadro de violência contra
meninas e mulheres no Brasil já é grave, tendo somente piorado com a pandemia.
Entre os fatores adicionais que as vítimas precisam transpor, Samira cita a
queda da renda e o desemprego, que podem atrapalhar a mulher na hora em que
cogita sair de casa para fugir do agressor.
Tais circunstâncias podem refletir a redução de casos de
lesão corporal dolosa (quando há intenção de cometer a agressão), que foi de
25,5%, nível semelhante ao de países como Itália e Estados Unidos, em que as
vítimas também enfrentam obstáculos para se deslocar a postos policiais,
conforme escreve o FBSP. Os estados que tiveram queda mais significativa foram
Maranhão (-97,3%), Rio de Janeiro (-48,5%), Pará (-47,8%) e Amapá
(-35%). O fórum destaca que, mesmo em São Paulo, que implementou o boletim de
ocorrência eletrônico para facilitar a oficialização de queixa contra os
agressores, houve queda de 21,8%.
Um indicativo que mostra que as mulheres continuam sofrendo
agressões, embora não procurem com tanta frequência as delegacias, é uma
informação trazida pela primeira compilação do relatório, publicada no fim de
abril e que revelava, entre outros pontos, que os chamados atendidos pela
Polícia Militar no estado de São Paulo aumentaram 44,9% em março deste ano, em contraste
com 2019.
No relatório mais atual, o FBSP menciona, ainda, o aumento
de denúncias feitas por telefone, que, na comparação entre os meses de março de
2019 e 2020, foi de 17,9%. Em abril deste ano, a quarentena já havia sido
decretada em todos os estados brasileiros, e foi exatamente quando a procura
pelo serviço cresceu 37,6%.
Em São Paulo, as comunicações pelo 190, canal de atendimento
da Polícia Militar, saltaram de 6.775 para 9.817. O mesmo padrão de alta
ocorreu entre março e abril de 2019 e de 2020, no Acre, que totalizava,
inicialmente, 752 ligações, e depois somava 920. No Rio Janeiro, chamadas
passaram de 15.386 ligações para 15.920.
Homicídios e medidas protetivas
O FBSP também desmembra dados referentes a homicídio de
mulheres. Quanto a isso, informa que houve aumento no número de vítimas em
metade dos oito estados que encaminharam seus respectivos resultados: Amapá
(100%), Acre (75%), Ceará (64,9%) e Rio Grande do Norte (8,3%). O grupo em que
se viu uma redução no índice é composto por São Paulo
(-10%), Pará (-7,7%) e Espírito Santo (-6,7%).
Os registros de ocorrência relacionados a violência sexual,
que levam em conta os crimes de estupro e estupro de vulnerável, tiveram
redução média de 28,2%, o que, pondera o FBSP, mais uma vez pode estar
relacionado à dificuldade das vítimas em registrar as ocorrências. "Os
casos de violência sexual, pela gravidade e exigência de exame imediato de
corpo de delito exigem necessariamente a presença da vítima na delegacia, sendo
essa a hipótese para explicar a redução tão abrupta deste crime", diz a
entidade.
O relatório acrescenta que o único estado que puxou essa
taxa para cima foi o Rio Grande do Norte. Lá, o acréscimo na quantidade de
casos reportados foi de 118%, que o FBSP associa à ampliação na cobertura da
informação, com a implantação do Sistema Nacional de Informações de Segurança
Pública (Sinesp).
Sobre as medidas protetivas de urgência o FBSP fornece
informações que abrangem quatro estados, todos com retração. O Acre fica no
topo da lista (-31,2%), seguido por Rio de Janeiro (-28,7%), Pará (-8,2%)
e São Paulo (-3,7%).
As medidas protetivas foram consolidadas como um direito das
vítimas a partir da Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340), em vigor desde
2006, e podem ser concedidas por um juiz mesmo que não tenha sido instaurado
inquérito policial ou processo cível.
Como denunciar
Com a pandemia, as mulheres vítimas de violência acabam
tendo sua rede de apoio comprometida, em virtude das medidas
de quarentena, além de ter de conviver com o agressor. Muitas delas também
não sabem para onde correr, quando decidem romper o ciclo de violência, que geralmente abrange aumento da
tensão entre vítima e agressor, a consumação da violência e demonstrações de
arrependimento e perdão por parte do agressor.
A violência, conforme elucida o Instituto Maria da Penha, não necessariamente é física,
podendo ser também de natureza psicológica, moral, patrimonial e sexual. Para
facilitar o acesso das vítimas a locais aos quais podem recorrer, a Agência
Brasil publicou um guia detalhando o papel de cada um e como podem
conseguir atendimento.
Edição: Nádia Franco
Fonte: Agência Brasil
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