Na
encíclica Rerum Novarum, publicada em 1891, época em que o comunismo era apenas
uma tese ainda distante um quarto de século de sua primeira experiência, o papa
Leão XIII, referindo-se a esse modelo, escreveu: "Além da injustiça do seu sistema, vêem-se bem todas as
suas funestas conseqüências, a perturbação em todas as classes da sociedade,
uma odiosa e insuportável servidão para todos os cidadãos, porta aberta a todas
as invejas, a todos os descontentamentos, a todas as discórdias; o talento e a
habilidade privados dos seus estímulos, e, como conseqüência necessária, as
riquezas estancadas na sua fonte; enfim, em lugar dessa igualdade tão sonhada,
a igualdade na nudez, na indigência e na miséria". Foi profeta. A história veio lhe dar inteira
razão.
No entanto, se as previsões do sábio
pontífice foram confirmadas e pouca gente esclarecida rejeita suas afirmações
sobre a ineficácia do sistema comunista, tem passado meio despercebida a
relação entre comunismo e inveja (e poderíamos acrescentar "entre os
totalitarismos e a inveja") cuja existência ele tão fortemente sublinhou.
A inveja nasce da comparação e se afirma
como um duplo sentimento negativo: a alegria pelo mal alheio e a tristeza pelo
bem alheio. Os moralistas (estudiosos das questões relativas à moral) afirmam
que o invejoso é a principal vítima desse sentimento. De fato, a inveja mata.
Ela é um canhão que dispara para frente e para trás. Quando força motriz de um
modelo político, ela se torna genocida e pode se voltar para a extinção de uma
raça, de uma classe social ou da própria nação em nome de quem se expressa. Ao
longo da história, centenas de milhões de seres humanos morreram em guerras e
campos de concentração por conta do 5º pecado capital.
Foi esse pecado que deu causa ao holocausto. Foi ele que
explodiu as Torres Gêmeas. É ele que hoje sai às ruas quebrando vitrinas. É ele
que não consegue esconder o gozo perante tais fatos. É ele que nutre em tantos
o ódio mortal aos Estados Unidos. Não podem os invejosos conviver com tamanha
evidência dos equívocos em que se afundaram. O ódio que têm a Trump não guarda
relação com humanismo e anseios de paz. Estiveram calados durante a Primavera de
Praga, durante a invasão comunista do Tibet, assistiram desolados à queda do
Muro de Berlim e só têm louvores aos regimes cubano, venezuelano e outros que
tais.
Há cerca de 15 anos, uma emissora de TV
exibiu reportagem feita com jovens da periferia de Paris protagonistas de
arruaças que, de lá para cá, foram mudando a face da capital francesa. Aquela
matéria me explicou muita coisa. Inclusive sobre certo jornalismo militante que
já ganhara força entre nós. Um dos jovens entrevistados levou a repórter para
ver onde vivia. Era um edifício popular, muito melhor do que as moradias de
qualquer favela brasileira. Sem muito que dizer, e percebendo a inconsistência
das imagens para os fins a que se destinavam, a moça disparou: "Já se nota
o contraste entre isto aqui e os palácios de Paris". Acho que ela queria
levar a rapaziada para morar em Versailles. Enquanto isso, seu revolucionário
guia apontava as más condições do prédio: paredes tomadas por pixações, a
sinalizarem o caráter pouco civilizado dos moradores, e um balde, no meio da
sala, marcando a existência de uma goteira, como se fosse dever do morador do
Palais de l'Élysée subir no telhado para
reparar tão complexo problema. No fundo, é tudo inveja.
Explorando esses vícios da alma, alguns
governos se instalam. Também assim se corrompem, conduzidos pelos mesmos
sentimentos maléficos. É assim que não se conformam com a perda do poder.
Percival
Puggina - membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e
escritor e titular do site www.puggina.org,
colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o
totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do
Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
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