Novo estudo do
Instituto Trata Brasil mostra que vazamentos, furtos, erros de leitura do
hidrômetro, entre outros fatores, causaram um prejuízo acima de R$ 11 bilhões em 2017
Tido
como uma das infraestruturas mais atrasadas
do Brasil, o saneamento básico enfrenta dificuldades diversas e que vão além da
expansão das redes de água e esgotos. Há problemas graves de eficiência no
setor, que comprometem a qualidade dos serviços para o cidadão e a própria
sustentabilidade financeira dos operadores.
O indicador de perdas de água potável nos sistemas de distribuição é um dos mais negligenciados no país, mesmo após a crise hídrica que afetou a Região Sudeste, entre 2014 e 2016, e a que ainda afeta o Nordeste. Isso mostra o quanto é importante o cidadão poupar a água potável nas residências, mas, principalmente, o quanto o poder público e empresas operadoras de água precisam melhorar em todo o país.
Baseado nisso, o Instituto Trata Brasil, em parceria com a GO Associados, lança o estudo “PERDAS DE ÁGUA 2019 (SNIS 2017) - DESAFIOS PARA DISPONIBILIDADE HÍDRICA E AVANÇO DA EFICIÊNCIA DO SANEAMENTO BÁSICO”.
Com dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), ano base 2017, o estudo mostra que a média de perda de água potável no país foi de 38,3%, ou seja, para cada 100 litros de água captada, tratada e pronta para ser distribuída, 38 litros ficam pelo caminho devido aos vazamentos, erros de leitura dos hidrômetros, furtos (famoso “gatos”), entre outros problemas. Isso significou uma perda de 6,5 bilhões de m³ - equivalente a mais de 7 mil piscinas olímpicas por dia. Se considerarmos apenas as perdas físicas (estimadas em 3,5 bilhões de m3), ou seja, vazamentos: a água que realmente não chegou na casa das pessoas, o volume desperdiçado seria suficiente para abastecer 30% da população brasileira por um ano (60 milhões de pessoas). Em termos financeiros, a perda de faturamento custou para o país R$ 11,3 bilhões, valor superior ao total de recursos investidos em água e esgotos no Brasil em 2017 (R$ 11 bilhões).
Conceito de Perdas físicas e perdas aparentes
É importante compreender que as perdas de água potável ocorrem de maneiras diversas, sendo as mais comuns os vazamentos, roubos/furtos de água e erros de leitura ou leituras imprecisas devido aos hidrômetros serem muito antigos. As perdas são distribuídas entre físicas e aparentes, conforme a tabela abaixo mostra:
Perdas Reais (Físicas)
|
Subsistemas
|
Origens
|
Magnitudes
|
Adução
de Água Bruta
|
Vazamento
nas tubulações
|
Variável,
em função do estado das tubulações e da eficiência operacional
|
|
Limpeza
do poço de sucção*
|
|||
Tratamento
|
Vazamentos
estruturais
|
Significativa,
em função do estado das tubulações e da eficiência operacional
|
|
Lavagem
de filtros*
|
|||
Descarga
de lodo*
|
|||
Reserva
|
Vazamentos
estruturais
|
Variável,
em função do estado das tubulações e da eficiência operacional
|
|
Extravasamentos
|
|||
Limpeza*
|
|||
Adução
de Água Tratada
|
Vazamentos
nas tubulações
|
Variável,
em função do estado das tubulações e da eficiência operacional
|
|
Limpeza
do poço de sucção*
|
|||
Descargas
|
|||
Distribuição
|
Vazamentos
na rede
|
Significativa,
em função do estado das tubulações e principalmente das pressões
|
|
Vazamentos
em ramais
|
|||
Descargas
|
*Considera-se
perdido apenas o volume excedente ao necessário para a operação.
Perdas Aparentes
(Comerciais) |
Origens
|
Magnitude
|
Ligações
clandestinas/ irregulares
|
Podem
ser significativas, dependendo de:
iv.
monitoramento do sistema.
|
|
Ligações
sem hidrômetros
|
||
Hidrômetros
parados
|
||
Hidrômetros
que subestimam o volume consumido
|
||
Ligações
inativas reabertas
|
||
Erros
de leitura
|
||
Número
de economias errado
|
Fonte: GO
Associados/Trata Brasil
Comparação com outros países
Comparação com outros países
Comparativamente a outros países, o Brasil possui índices de perdas muito mais elevados que países menos desenvolvidos, tais como Bangladesh, Uganda e África do Sul, com perdas de 21,6%, 33,5% e 33,7%, respectivamente (Tabela 1).
Tabela 1 - Comparação Internacional – PERDAS DE FATURAMENTO
Fonte: IBNET/SNIS. Elaboração: GO Associados/Instituto Trata Brasil
Por sua vez, os indicadores brasileiros de perdas têm sofrido um aumento significativo, o indicador de perdas na distribuição apresentou aumento de 1,3 p.p nos últimos cinco anos (Tabela 2), e o indicador de perdas de faturamento de 2017 praticamente se igualou a 2013, quando era de 36,9% (Tabela 3).
Na Tabela 3 é também possível ter uma dimensão do índice de Perdas de Faturamento Total (IPFT), indicador adaptado para o estudo que mensura também o uso de água de serviços (água para bombeiro, lavagem das estações de tratamento de esgoto, caminhões pipa, etc.), diferentemente do que é calculado pelo indicador de perdas de faturamento presente no SNIS. Há tanto casos em que o volume de serviços reportado é zero, quanto casos em que o volume de serviços é um percentual representativo do total produzido de água. Por exemplo, há empresas que incluem o volume de perdas sociais (água utilizada em regiões mais carentes e não faturada) no volume de serviço reportado ao SNIS. Tal prática pode elevar desproporcionalmente o volume de serviço de alguns prestadores.
Tabela 2 - Histórico das perdas na distribuição (IPD) no Brasil
Fonte: SNIS Elaboração: GO Associados/Instituto Trata Brasil
Tabela 3 - Histórico das perdas de faturamento (IPF) e perdas de faturamento total (IPFT)
Fonte: SNIS. Elaboração: GO Associados/Instituto Trata Brasil
Avaliação:
Édison Carlos, presidente executivo do Instituto Trata Brasil, avalia que este é um cenário preocupante:
“As perdas de água são um sinônimo da eficiência do sistema de produção e distribuição das empresas operadoras. O aumento das perdas mostra que há um problema de gestão e que os investimentos na redução não vêm sendo suficientes para combater o problema. Mais preocupante é pensar que num momento de crise hídrica não será suficiente pedir para que a população economize água se as empresas continuarem perdendo bilhões de litros por deficiências diversas.”
Para Gesner Oliveira, sócio da GO Associados:
“A redução de perdas é o maior manancial que o Brasil possui. Tal desafio requer uma ação conjunta de todos os agentes envolvidos no setor. Somente com foco em planejamento de longo prazo e aprimoramento das sinergias entre operadores e poderes públicos será possível viabilizar os recursos para os investimentos tão necessários para aumentar a disponibilidade hídrica.”
Histórico do balanço hídrico (2015 a 2017)
O estudo fez uma análise dos principais indicadores ligados às perdas de água entre 2015 e 2017 (Tabela 4). Podemos ver que houve um aumento na produção de água, ou seja, para atender a população as cidades brasileiras estão retirando mais água da natureza. O problema é que as perdas também aumentaram.
Édison Carlos chama a atenção para o fato. “O aumento da produção de água pode nos levar a crer que está havendo um consumo maior pela população e demais usos da água potável, mas na verdade podemos estar tirando mais água apenas para compensar o aumento das perdas. Isso seria péssimo para a sustentabilidade do próprio sistema e para os usuários. Incrível ver que, em 2017, perdemos uma quantidade de água que poderia abastecer metade da nossa população por um ano”.
Tabela 4: Evolução de indicadores de perdas de água (2015 – 2017)
Diferentes realidades por região e Unidades da Federação
O índice de perdas de água no sistema de distribuição (IPD) no Brasil é consideravelmente alto, mas as médias escondem as disparidades regionais. No Norte do país, por exemplo, região com os piores índices de abastecimento de água, coleta e tratamento dos esgotos, o IPD também alcança uma porcentagem muito alta: 55,14% (Tabela 6). Isso significa que mais da metade da água produzida não chega à população.
Tabela 6: Perdas na Distribuição (IPD) nas regiões
Fonte: SNIS. Elaboração: GO Associados/Instituto Trata Brasil
Já olhando as Unidades da Federação (UF), Goiás é o único estado que está abaixo dos 30% de perdas na distribuição. Roraima é o estado que mais perde, com 75% de perdas de água potável (Tabela 8).
Com relação às Perdas de Faturamento Total e Perdas de Faturamento, os indicadores estão na tabela 9 - abaixo.
Tabela 8: Perdas na Distribuição nos Estados (IPD)
Fonte: SNIS.
Elaboração: GO Associados/Instituto Trata Brasil
Tabela 9: Perdas de Faturamento nos Estados (IPF e IPFT)
Nota: (1) Rótulos que aparecem no gráfico correspondem ao IPFT. (2) O IPFT considera os volumes de serviços como água não faturada.
Fonte: SNIS. Elaboração: GO Associados/Instituto Trata Brasil
Situação de perdas nas 100 maiores cidades por população
Para estratificar as perdas de água potável nos maiores municípios brasileiros, o estudo abordou as 100 maiores cidades que, juntas, representam 40% da população do país. O nível de perdas dessas cidades é superior à média nacional – tabela 10.
Tabela 10: perdas nas 100 maiores cidades x brasil
Fonte: SNIS. Elaboração: GO Associados/Instituto Trata Brasil
- Índice de Perdas na Distribuição por Município: Os municípios que perderam mais e menos água foram Porto Velho - RO (77,11%) e Santos - SP (14,32%). Em Porto Velho o índice de perdas na distribuição aumentou de um ano para o outro e apenas Santos possui níveis de perdas na distribuição menores que 15% (valores considerados como ótimos). Os dados mostram que 81% das grandes cidades têm perdas na distribuição superiores a 30%, existindo assim grande potencial de redução de perdas (Tabela 11).
TABELA 11 – Melhores e piores municípios (Perdas na Distribuição)
Observação: As demais cidades estão presentes no relatório completo disponível
no site do Instituto Trata Brasil – www.tratabrasil.org.br
- Índice
de Perda Total de Faturamento - Campina
Grande (-2,72%) foi o município com menor índice de perdas de
faturamento e o maior Foi Porto Velho – RO (73,55%). Dos cem municípios considerados,
apenas 9 possuem níveis de perdas totais de faturamento iguais ou menores
que 15% (valor usado como parâmetro ideal para o esse indicador). Os dados
mostram que quase 70% dessas cidades tiveram perdas de faturamento
superior a 30%, portanto, as empresas podem ganhar muito reduzindo os
problemas (Tabela 12).
TABELA 12: Melhores e piores municípios (Perdas de Faturamento Total)
(1): As demais cidades estão presentes no relatório completo disponível no site do Instituto Trata Brasil – www.tratabrasil.org.br
(2) É possível que o indicador apresente valor negativo, isto é, que o volume faturado seja superior ao volume produzido e importado. No entanto, não é comum que isso ocorra em operações de saneamento. Apesar disso, foi adotado o número reportado ao SNIS como parâmetro.
Destaques positivos
Os municípios paulistas de Santos, Limeira e Campinas surgem como os casos positivos do estudo (Tabela 14)
TABELA 14 - Municípios com Baixos indicadores de perdas de distribuição e faturamento Total
Município
|
IPD
|
|
IPFT
|
Santos
|
14,32
|
|
15,89
|
Limeira
|
18,62
|
|
12,92
|
Campinas
|
20,91
|
|
12,97
|
Fonte: SNIS/GO
Associados/Instituto Trata Brasil
Cenários e possibilidades de ganhos futuros com a redução das perdas
O estudo criou cenários futuros para mensurar os ganhos do país se houvesse a redução das perdas de água potável definindo-se três cenários para 2033:
- Redução a 15%
(cenário otimista);
- Redução a 20%
(cenário base);
- Redução a
25% (cenário conservador).
Considerou-se a meta de 20% como a mais realista para o cenário brasileiro. Logicamente, não se busca os níveis de Tóquio ou Cingapura, cujos níveis de perdas estão abaixo dede 10%, mas também não se partiu de metas pouco desafiadoras, como os 31% do Plansab para 2033.
Considerou-se os investimentos necessários nas ações a serem realizadas (caça-vazamentos, troca de tubulações, conexões e ramais, caça-fraude, troca de hidrômetros tomando como parâmetro o Cenário Base (redução a 20%). Foi possível constatar que existe um potencial de ganhos líquidos (já descontados os investimentos necessários) de quase R$ 31 bilhões até 2033 (Tabela 15).
TABELA 15
Cenários
|
Perdas 2017
|
Perdas 2033
|
Redução
|
Ganho Bruto Total
|
Ganho Líquido Total
|
Cenário 1: Otimista
|
39%
|
15%
|
62%
|
77.279.159
|
38.639.580
|
Cenário 2: Base
|
39%
|
20%
|
49%
|
61.316.893
|
30.658.447
|
Cenário 3: Conservador
|
39%
|
25%
|
36%
|
45.354.627
|
22.677.314
|
Fonte:
Elaboração: GO Associados/Instituto Trata Brasil
Édison Carlos: “O estudo analisou os principais indicadores de perdas no Brasil e conseguiu mostrar a relação novamente com os impactos econômicos e de eficiência. Num cenário de imprevisibilidade do clima e consumo de água, não cabe mais manter o assunto perdas de água apenas na esfera técnica. A sociedade, a imprensa, formadores de opinião e outros precisam se apropriar do assunto, pois, no fim, o que resulta é a diminuição da água para todos os usos, especialmente faltando aos cidadãos”.
Gesner Oliveira: “Muitas capitais brasileiras já têm dificuldade de controlar suas perdas, até mesmo por serem populosas e terem relevos acidentados que justificam parte destes problemas. Estamos num momento em que é necessário avançar na redução das perdas de água, pois é o único recurso que não pode faltar para a humanidade. Ao tirar mais água da natureza para tratar e fornecer aos cidadãos, precisamos fazê-lo de maneira segura e responsável, com comprometimento para que não haja deficiência financeira e social no futuro”.
Deve-se ter em
consideração que em outros países a diferenciação entre o volume consumido e o
volume faturado não é comumente utilizada. Portanto, as comparações
apresentadas têm como propósito evidenciar a tendência geral, tendo-se em vista
que podem existir possíveis distorções geradas pela diferença nas definições
mencionadas.
É possível que o indicador apresente valor negativo, isto é, que o volume faturado seja superior ao volume produzido e importado. No entanto, não é comum que isso ocorra em operações de saneamento. Apesar disso, foi adotado o número reportado ao SNIS como parâmetro.
É possível que o indicador apresente valor negativo, isto é, que o volume faturado seja superior ao volume produzido e importado. No entanto, não é comum que isso ocorra em operações de saneamento. Apesar disso, foi adotado o número reportado ao SNIS como parâmetro.
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