Em
algum final de semana do mês de agosto, assisti ao filme “Como eu era antes de
você”, da autora Jojo Moyes. Após
assisti-lo, passei os olhos no livro que originou o filme e a história me fez
refletir acerca do tratamento dado à questão “suicídio assistido” sob a ótica
da legislação brasileira.
Em
uma brevíssima sinopse, o filme narra a história na qual a personagem
principal, Will Traynor, é atropelado por uma moto, lesionando gravemente a
medula espinhal e se tornando tetraplégico. Will era um jovem de trinta e
poucos anos, de família abastada, inteligente, bem-sucedido, esportista, amante
da vida e que se relacionava com uma bela mulher, mas foi condenado a viver
pelo resto da vida em uma cadeira de rodas, sem quase nenhum movimento, cuidado
por médicos e tratadores. Mal-humorado e revoltado com sua atual situação,
decidiu, ao longo do filme, que a sua vida não deveria mais ser vivida, de modo
a procurar um lugar para finalizá-la. Entretanto, uma nova cuidadora (Lou
Clark) é contratada para cuidar de Will e o filme se desenvolve sobre os temas
de “superação”, “resignação” e, sobretudo, “suicídio assistido”.
Conforme
os dicionários, o verbo assistir significa ajudar, colaborar, auxiliar, ou
seja, “suicídio assistido” seria aquele suicídio com ajuda, com colaboração,
com auxílio.
Analisando
o filme sob a ótica do direito nacional e sabedor que a maioria do público
muitas vezes não possui o pleno conhecimento sobre legislação vigente em seu
país, tentaremos responder, de forma muito breve e simples, a alguns
questionamentos que possam ter surgido.
Primeiramente
o direito brasileiro não permite a ninguém tirar a própria vida, de modo a
incriminar aquele que colabora, moral ou materialmente com esta prática. O
artigo 146, parágrafo 3º inciso II do Código Penal prevê a possibilidade de se
até aplicar, se necessário, violência para se impedir o suicídio.
O
suicídio em si não é crime, tendo em vista a total inutilidade da pena. No
entanto, o fato de não ser crime não significa que seja indiferente para o
Estado brasileiro. O direito penal nacional, no seu artigo 122, incrimina
aquele que participa moral ou materialmente do suicídio de alguém, ou melhor,
incrimina aquele que induz, aquele que instiga ou aquele que presta auxílio
para que a vítima tire sua própria vida.
A
figura penal cita três condutas distintas que podem ser praticadas de forma
isolada ou conjuntamente. “Induzir”, significa persuadir, convencer, colocar a
ideia suicida na cabeça de alguém fragilizado por algum fato da vida.
“Instigar”, seria fomentar aquela ideia já presente na mente do suicida, ou seja,
reforçar aquela decisão já tomada anteriormente. Tratam-se de participações
morais. A conduta de “prestar auxílio”, seria a ajuda material de facilitação
da execução do suicídio, porém, não devemos confundir com o próprio ato de
execução da morte. Poderíamos exemplificar com o ato de emprestar uma arma para
que a própria vítima atire contra si, de transportá-la até desfiladeiro para
que ela salte etc. (atos exclusivos de execução da vítima). Nesta conduta, o
crime alude a participação material.
Por
uma simples dedução de quem assistiu ao filme, não nos parece que Will tenha
sido induzido ou instigado a tomar aquela decisão, haja vista seu completo
desgosto pela vida. Nem alguém tenha auxiliado a tirar a própria vida, pois ele
não teria condições físicas de cometer atos executórios de suicídio. Internou -
se em uma clínica na Suíça onde cremos que outros (profissionais) procederam à
solução letal.
Mas,
então, a conduta dos profissionais da clínica, caso fosse no Brasil, não seria
crime algum?
Em
um primeiro momento, tal conduta aludiria a polêmica prática da eutanásia,
comportamento permitido em alguns países, porém, nos dias atuais, proibido pelo
direito brasileiro.
O
Código Penal vigente proíbe qualquer atentado contra a vida, disponibilizando
um capítulo que a protege por meio de quatro (4) crimes: homicídio,
participação em suicídio, infanticídio e aborto. Em seu artigo 121, criminaliza
a prática do homicídio, disponibilizando causas qualificadoras e
privilegiadoras para este crime.
Uma
das causas que privilegiam o crime de homicídio é ele ter sido praticado por
motivo de relevante valor moral, ou seja, de relevante valor íntimo, subjetivo
do agente. Aquele que mata por compaixão, aquele que mata para pôr fim ao
sofrimento de alguém, estaria praticando o crime de homicídio, porém, em tese,
privilegiado.
Enfim,
seria um homicídio piedoso, isto é, eutanásia!
Entretanto,
aquele que mata alguém por dinheiro, por cobiça, ou por qualquer outro motivo
desprezível, estaria praticando também o crime de homicídio, porém,
qualificado.
Portanto,
analisando a conduta sob a ótica do direito penal brasileiro, podemos concluir
que o fato cometido contra Will seria o crime de homicídio (qualificado ou
privilegiado) e não o crime de participação em suicídio. Lembramos que os
dois fatos são ilícitos criminais no Brasil.
Luiz Gustavo
Fernandes - Mestre
em Direito Penal pela PUC/SP e Professor da Universidade Presbiteriana
Mackenzie Campinas
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