A
recente saída dos Estados Unidos do Acordo de Paris terá amplos reflexos sobre o
cenário diplomático, econômico e ambiental. Em um momento em que nações e
empresas se preparam para a transição rumo a uma economia de baixo carbono, a
decisão norte-americana abre espaço para uma maior aproximação entre China e
Europa. Também aumenta a pressão internacional sobre os líderes globais para
que estabeleçam metas mais ambiciosas de redução de emissões e as anunciem nas
próximas reuniões climáticas.
Em
dezembro de 2015, 196 nações reuniram-se em Paris e concordaram em manter o
aumento da temperatura média global em menos de 2°C acima dos níveis
pré-industriais. Esse compromisso público, assumido também pelo governo dos
Estados Unidos, foi firmado e enviado ao Alto Comissariado das Organizações das
Nações Unidas (ONU). Esta ação contrasta com a postura adotada em relação ao
Protocolo de Kyoto, que não chegou a ser aceito ou ratificado pelo governo
norte-americano. No pior cenário traçado pela ONU, sem o comprometimento
dos Estados Unidos, poderia haver um aumento de 0,3°C na temperatura global para
além dos 2º C.
Ao
rever a sua adesão ao Acordo de Paris, os Estados Unidos tornam-se, ao lado da
Síria (em guerra civil) e da Nicarágua (que considerou o acordo tímido), parte
dos três únicos países do mundo que não se comprometeram a reduzir as emissões
de gases de efeito estufa. O vácuo geopolítico criado estimula uma maior
aproximação entre China e Europa, que já reforçaram nas últimas semanas o
engajamento em relação ao tema das mudanças do clima, acenando inclusive com um
potencial intercâmbio de permissão de emissões entre os países, assim como
investimentos cruzados.
Em
busca de maior protagonismo internacional e competitividade de seus produtos
nesse novo cenário, a China direciona os seus esforços diplomáticos e de
cooperação para acelerar a expansão das fontes limpas de energia na matriz
elétrica global. O governo chinês é o principal incentivador da Global Energy Interconnection (GEI), que
tem como meta ampliar para 80% a participação das fontes renováveis no consumo
primário global de energia em 2050. Para cumprir este objetivo ambicioso, a
estimativa é a de que o GEI demande US$ 50 trilhões em investimentos em novas
usinas, como eólicas e solar, e na construção de grandes sistemas de
transmissão, que promoveriam a interconexão dos cincos continentes.
Embora o desfecho da iniciativa seja incerto,
observa-se que o Acordo de Paris se insere em um contexto de reconfiguração do
fluxo de investimentos e comerciais, de rearranjo dos acordos geopolíticos e
abertura de novos mercados. Com a manutenção da precificação do carbono como
uma tendência irreversível, o retrocesso no apoio às fontes renováveis de
energia significaria prejuízos financeiros, com perda de competitividade
industrial e de exportações. Alguns governos, como o da França, já
estudam sobretaxar em 100 euros por tonelada de CO2 os produtos
importados, cuja pegada de carbono não tenha sido neutralizada.
Aqui,
novamente, nota-se o governo chinês utilizando o seu peso geopolítico e
econômica para fomentar um novo modelo de desenvolvimento. Com a China mantendo
seus preparativos para lançar seu mercado nacional de carbono neste ano,
estima-se que 20% das emissões globais serão cobertas por mecanismos de
precificação, hoje adotados por mais de 60 países e mais de 500 empresas no
mundo. Outras 700 companhias planejam fazer o mesmo até 2018, segundo o CDP.
A
preocupação de ver as “portas fechadas” para as oportunidades de um mundo
voltado para a economia de baixo carbono tem estimulado autoridades municipais
e estaduais dos Estados Unidos a reforçar ou ampliar o compromisso com
políticas públicas e tecnologias verdes. Os estados de Nova York, Washington e
Califórnia – que reúnem um quinto da população e do PIB do país e responderam
por 11% das emissões em 2014 – anunciaram que irão manter as suas metas de
redução de poluição global, mesmo com a decisão do governo federal na direção
oposta. Outras 200 prefeituras fizeram pronunciamentos na mesma direção.
A
Califórnia – que, se fosse um país, seria a sexta maior economia mundial –
reforçou sua decisão de que 50% de sua energia seja oriunda de fontes
renováveis até 2030 e que toda sua energia seja gerada por fontes limpas até
2045. A região quer criar mais valor na economia de baixo carbono. Com a adoção
de leis que buscaram incentivar a utilização de novas tecnologias, a economia
da Califórnia expandiu 80% entre 1990 e 2014 e sua população cresceu 30%, mas
as emissões per capita caíram cerca de 20% neste período e as emissões por
produção econômica despencaram 44%, segundo estudo da Comissão de Energia do
Estado.
Os
resultados alcançados pela Califórnia ao longo das últimas três décadas
reforçam a percepção de que crescimento econômico e redução das emissões de CO2
podem caminhar lado a lado, gerando riquezas, renda e novos empregos.
Estudo recente da Agência Internacional de Energias Renováveis (Irena, sigla em
inglês) prevê que essas fontes de energia deverão agregar US$19 trilhões para a
economia mundial até 2050 e criar seis milhões de empregos.
A
nova configuração do Acordo de Paris não terá impactos significativos no curto
prazo para o Brasil, que, no começo de junho, promulgou os compromissos
assumidos pelo País para combater as mudanças do clima. Dispondo de uma das
matrizes elétricas mais limpas do mundo - sendo
80% da geração elétrica oriunda de fontes limpas, com ênfase para as
hidrelétricas e usinas eólicas –, o Brasil e as empresas brasileiras podem
ganhar espaço no cenário internacional, por exemplo, seja atraindo
investimentos em fontes renováveis, seja na exportação de produtos com menor
pegada de carbono.
No
médio e longo prazos, a nova dinâmica geopolítica pode significar o
estreitamento dos laços econômicos de Brasil e China. Hoje, o país asiático já
é o principal parceiro comercial do nosso País e caminha para se consolidar
como um dos principais investidores estrangeiros, sobretudo no campo da
infraestrutura. A cooperação entre as duas nações, a exemplo da criação de um
fundo de investimento com US$20 bilhões para financiar projetos nas áreas de
Logística, Energia, Recursos Minerais, Agricultura, Indústria de Manufatura e
Serviços Digitais, pode alçar o Brasil à posição de líder proeminente no
processo de transição para uma economia global de baixo carbono.
Luiz
Eduardo Osorio - vice-presidente Jurídico, Relações Institucionais e Sustentabilidade
da CPFL Energia.