“Se queres ser universal,
começa por pintar a tua aldeia”. A recomendação do escritor russo Leon Tolstoi
serve bem ao ecossistema empreendedor brasileiro. O ranço colonial acumulado
durante cinco séculos ainda coloca nosso mercado na eterna condição de país
emergente.
Em outras palavras, criamos
pouco valor agregado dentro de casa e vamos buscar lá fora a satisfação de
nossos sonhos de consumo, o que traz a implacável consequência de ficarmos para
trás em uma economia cada vez mais global e pautada pela chamada transformação
digital.
Este status verde-amarelo
tem muitas raízes, mas a mais profunda é a dificuldade que temos de olhar para
nosso quintal e entender que o caminho promissor está em criar negócios de alto
impacto identificando, antes de mais nada, oportunidades latentes em nosso
próprio e enorme mercado. E elas são muitas, como irei relacionar mais adiante.
Com raras exceções, como no
setor de tecnologias agropecuárias, a pesquisa científica continua sofrendo com
a falta de incentivos e gera poucas patentes nacionais na comparação com outros
países. Mais ainda, nosso setor de infraestrutura é atrasado e temos restrição
de capital de longo prazo para construção de negócios disruptivos, o que,
somado à crise, criou um cenário até aqui pouco favorável ao mercado de
startups e de capital de risco.
Esta é a ladainha que temos
escutado exaustivamente. Agora vamos à boa notícia. Ao que tudo indica, o País
começa a vislumbrar a melhor “tempestade perfeita” para acelerar o crescimento
econômico e atrair investimentos nos próximos anos.
Há poucos dias, o Fundo
Monetário Internacional (FMI) reviu suas previsões de crescimento do nosso PIB
para 0,7% este ano e 1,5% para 2018, índices que são, respectivamente, 0,4% e
0,2% maiores que os divulgados em julho. A estimativa para 2017 é seguida pela
Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que projeta um
avanço ainda maior de 1,9% para o próximo ano.
Vencidos então os desafios
macroeconômicos, um fator será determinante para ultrapassarmos a condição de
emergente e ocuparmos posição de destaque entre os países desenvolvidos: a
inovação agnóstica, germinada a partir do atendimento a uma necessidade que
pode estar em qualquer setor e não necessariamente, como muitos entendem, na
indústria de tecnologia pura e digital.
Melhor colocando: não é na
tecnologia em si que está a inovação, mas em como sua aplicação melhora a
produtividade, a eficácia nos processos e os resultados financeiros. Entre
muitas que pesquisei, abro parêntese para trazer a definição de inovação do Business
Dictionary: “O processo de traduzir uma ideia ou invenção em um produto ou
serviço que cria valor ou pelo qual os clientes irão pagar. Para ser chamada de
inovação, uma ideia precisa ser replicável economicamente e deve satisfazer uma
necessidade específica”.
Parêntese fechado, somos um
país que ainda precisa avançar na construção de uma cultura arraigada de
inovação capaz de efetivamente gerar transformação e riqueza. A questão
central, caso ainda não tenha ficado clara, é que o empreendedor brasileiro
precisa urgentemente reconhecer quais são as vocações da economia brasileira
para construir negócios disruptivos locais com potencial de crescer em nosso
enorme quintal e depois avançar para novos mercados com as mesmas demandas.
Com toda franqueza, passou a
hora de deixarmos de lado a tese de que para sermos inovadores temos que
construir nosso Vale do Silício, como se o Brasil reunisse as mesmas condições
da Califórnia para fomentar um ambiente empreendedor catalisado essencialmente
pelas novas tecnologias.
Sim, claro, são as invenções
que nascem em laboratórios de empresas como Amazon, Google, Apple, Tesla,
Facebook, Baidu e outras gigantes da tecnologia que continuarão liderando as
grandes transformações nas próximas décadas, como a Inteligência Artificial, a
Internet das Coisas, a robótica, a nanotecnologia, a biotecnologia e outras
que, combinadas, mudarão radicalmente nossos hábitos e nossas vidas.
Mas será que o Brasil
precisa e deve seguir esta mesma cartilha? Não faz mais sentido pensarmos em
negócios que efetivamente curem dores que temos aqui ao invés de copiar modelos
que têm pouca aderência com nosso mercado?
Como investidor, tenho
recebido muitos projetos à primeira vista fascinantes, mas que pecam ao não
olhar para aldeia ao seu redor e focam em criar tecnologias mirabolantes, mas
não soluções realmente inovadoras.
Todos querem ser o próximo
Mark Zuckerberg, Jeff Bezos ou Elon Musk. Mas parecem se esquecer que as
melhores oportunidades podem estar aqui, bem embaixo do nariz, e não
exclusivamente na tecnologia de ponta, que encontra condições mais favoráveis
em países desenvolvidos, com capital intelectual e financeiro disponíveis e
investidores sem receio de arriscar alto na construção do futuro.
Convido o leitor a refletir
sobre alguns setores com altas perspectivas de crescimento no Brasil nos
próximos anos com a economia mais estabilizada, como varejo, infraestrutura,
agronegócio, educação, saúde e finanças.
Varejo - Qual
o potencial de desenvolvimento do varejo nos próximos anos no Brasil comparado
ao mercado americano e outros mercados internacionais? Basta analisar quantas
grandes cadeias varejistas presentes no País ainda sequer deram seus primeiros
passos no varejo virtual, enquanto nos Estados Unidos o reflexo do crescimento
e consolidação do comércio eletrônico pode ser visto na avalanche de fechamento
de lojas físicas nos últimos anos. Nosso mercado varejista, por outro lado,
ainda tem muito espaço para negócios omnichannel e até mesmo para modelos como
os outlets, que no auge da nossa economia e com o real fortalecido, vale
lembrar, atraíram milhares de brasileiros para fazer compras em Miami.
Infraestrutura - Desde
a década de 80, a infraestrutura vive uma escassez séria de investimentos no
País, representando atualmente menos de 2,5% do PIB, índice inferior a países
com o mesmo nível de renda. Há muito por fazer em áreas como transportes,
saneamento básico, geração de energia e outras necessidades básicas. Pensar em
modelos que possam acelerar o desenvolvimento de soluções para sanar estas
ineficiências certamente fará brilhar os olhos dos investidores. Nos próximos
anos, a Internet das Coisas, com certeza, irá acelerar a transformação deste
mercado com o surgimento de cidades inteligentes.
Agronegócio - Nossa
vocação agrícola também oferece terrenos férteis para novos empreendimentos. Os
recordes das safras dos últimos tempos, não custa recordar, foram a salvação da
lavoura e evitaram um cenário econômico ainda mais catastrófico. O campo está
passando por grandes transformações e a perspectiva para as próximas décadas é
de consolidação do mercado de agritech, que já apresentou crescimento
expressivo este ano, apesar da crise.
Educação - No
setor de educação a tendência é que escolas e universidades ampliem seus
recursos para cursos a distância, permitindo o acesso a estudantes que vivem em
regiões remotas. O desenvolvimento de programas e aplicativos, a geração de
conteúdo multimídia e de ferramentas que facilitem a jornada de aprendizado
criarão oportunidades para o surgimento de negócios que continuarão dando
espaço a novos modelos educacionais.
Saúde - A
falência do setor público e o alto custo dos planos de saúde (somente 23% da
população tem acesso, segundo estudo da McKinsey & Company) fazem do Brasil
um mercado muito oportuno para estruturar serviços que consigam atender as
classes menos favorecidas com preços acessíveis. Aqui, a inovação não está nos
aplicativos de agendamento de consultas, mas no modelo de atendimento de baixo
custo.
Finanças - O
setor financeiro foi um dos mais impactados nos últimos anos no Brasil. 2017
foi o ano das fintechs, que encontraram no nosso mercado brasileiro
condições especiais para se desenvolver, especialmente por conta da política de
juros altos e da dificuldade, ou “falta de vontade”, dos bancos de conceder
créditos a taxas menos escorchantes.
Entre 130 economias
analisadas, o Brasil segue estacionado na 69a posição no Índice Global de
Inovação elaborado pela Universidade de Cornell, atrás de países como
Sérvia, Panamá, Colômbia, Uruguai e Georgia. A hora de subir no ranking é esta.
Se soubermos aproveitar a nova onda de otimismo econômico e identificar onde
estão as melhores oportunidades para empreender e investir, o Brasil poderá
deixar para trás os anos de crise, depressão e atraso.
Não só para o mercado, mas
também para o Governo, será um excelente negócio, como bem mostrou o estudo
da Anjos do Brasil feito em parceria com a Grant Thornton, que concluiu que a
cada R$ 1 investido em startups o retorno em 5 anos é de pelo menos R$ 5,84
injetados na economia.
E então? Vamos juntos cuidar
da nossa Aldeia?
Renato Ramalho - Sócio da A5 Capital Partners, gestora de investimentos estruturados que
aporta capital, desenvolve e faz gestão de negócios em setores diversos, mas
que tenham a inovação e a tecnologia como sua “coluna vertebral”.