Hora da partida. Em dias nascerá o salvador. Belchior e
suas veneráveis clãs deixa Ur; Gaspar, sem receios, desce as montanhas
envolventes do Mar Cáspio, de onde jamais saíra; e Baltasar deixa o Golfo
Pérsico, a "Arábia Feliz". O óleo da civilização a tornaria malsinada.
Atrasarão por doze dias. Não o perceberão. O tempo era secundário em seus
tempos.
Mateus trouxe a anciã mitologia para os evangelhos. Os
símbolos que orientam e humanizam. Criou a troca dos presentes. Jesus era homem
e foi universalizado. Venceram desertos, montanhas, rios e mares. Nada os
deteria, nem a natureza nem Herodes. Até mesmo Belchior, certamente alquebrado
aos setenta.
A sagacidade do mal é imemorial. Herodes tenta iludi-los,
para que indicassem o sítio do nascimento do Rei dos Judeus. E matá-lo. Os reinados
e o poder, como hoje, eram as mais preciosas pedras, num mundo rústico. Sonham
com a armadilha (provavelmente Belchior) e retornam por outro caminho. Os
poderosos não precisavam ser enfrentados, podiam ser simplesmente,
ludibriados.
O ouro era o mais importante elemento dos alquimistas.
Parecelso lhe atribui as maiores virtudes, desde as curativas. A raridade
talvez já definisse os valores. O ouro jamais perdeu seus quilates. Rompeu a
história triunfalmente. Fez infeliz a África do Sul, nossas Minas Gerais e pôs
homens em conflito. Os magos eram clarividentes e buscaram, desde cedo, mostrar
o destino humano ao menino de Belém.
O incenso era a emanação inescrutável do espírito. A
magia em pó que ainda ressuma dos cérebros dos gênios. Os "insigths"
que produziram a ciência, os conhecimentos contemporâneos inimagináveis. Era
voltado para perfumar o encontro entre o homem e as divindades.
Hoje, a despeito do progresso, alegra somente alguns
místicos felizes.
A mirra limpava homens e cadáveres. Resgatava em poucos a
essência da ética, que se perdeu. O homem era sujo e continuou sujo, dominado
pelos Césares, com exceções que o mundo reverencia.
A mirra do grande povo simples é o sofrimento. A
limpeza dos cadáveres era o anúncio do perfume de rosas da eternidade.
Desse modo ficou delineado, desde a man jedoura, o
destino da raça que habita este planeta. Tendemos, pois, a crer na inutilidade
do sacrifício do crucificado em prol de seus irmãos. A natureza cruel parece
ter saído vitoriosa. Nada mais se observa no cotidiano.
A alquimia, o realismo mágico, o fantástico, em ainda
raras manifestações, lutam para recuperar a alvura das almas, neste conturbado
e sofrido século, pleno de paradoxos. Os reis, ou sacerdotes, com suas
benesses, morreram sob as bombas. Não há caminhos outros senão o de recuperar
as primitivas magias da simplicidade. Dessa mudança da consciência humana, ao
longo deste século e dos próximos, poderemos recuperar a pureza de Belchior,
Gaspar e Baltazar.
Reis que agraciaram um menino simples. Restou o símbolo,
porém conspurcado.
Políticos erguem nos braços crianças depauperadas; que, como
tal, permanecerão, enquanto os votos representam a astúcia de Herodes. Mas
ainda devemos crer em sonhos salvadores.
Amadeu Roberto
Garrido de Paula - advogado e membro da Academia
Latino-Americana de Ciências Humanas.