Com 70 milhões de autistas no mundo, análise do comportamento é vista como caminho para alterar trajetória de desenvolvimento e aprimorar qualidade de vida
Desde cedo, a família de Thales observava que ele
era diferente das outras crianças. Na primeira infância, ele não conseguia
fixar o olhar nas pessoas e, quando chegou a hora de começar a falar as
primeiras palavras, veio a ausência de linguagem. Sua diversão era colecionar
objetos diversos, como DVDs, shampoos e lápis de escrever. No meio disso, a mãe
buscava respostas que explicassem alguns comportamentos e o atraso em seu
desenvolvimento. Mas foi apenas aos 6 anos que chegou o diagnóstico: Transtorno
do Espectro Autista (TEA). Para a mãe, Neusa Stahlschmidt, isso significou
alívio e a possibilidade de encontrar o tratamento correto. "Hoje meu
filho é um adulto de 25 anos com uma vida regrada e organizada. Mas para chegar
aqui foram muitos os desafios, entre eles o de encontrar os profissionais
certos para acompanhar essa jornada", detalha.
Cada vez mais comum, o Transtorno do Espectro
Autista afeta uma em cada 36 crianças, como mostra a análise do Centers for
Disease Control and Prevention, dos Estados Unidos. As mais de 70
milhões de pessoas diagnosticadas com autismo ao redor do globo, segundo dados
da Organização das Nações Unidades (ONU), enfrentam desafios cognitivos, de
comunicação e de interação social, exibindo padrões repetitivos e resistência a
mudanças na rotina. No entanto, esse é apenas o panorama geral. Como cada uma
das nuances do espectro tem suas particularidades, identificar precocemente a
condição neurológica é fundamental para lidar com as repercussões mais
frequentes e entender os diferentes níveis de suporte necessários.
O diagnóstico do autismo costuma chegar entre um
ano e meio e três anos de idade, mas muitas mães percebem os primeiros sinais
da condição no início da vida dos bebês. Natalie Brito Araripe faz parte desse
grupo. Ela ficou em alerta ao notar que sua filha manifestava uma leve
desregulação emocional e algumas dificuldades sociais quando ainda tinha poucos
meses. Como psicóloga que já trabalhava no acompanhamento de pessoas com TEA,
ao receber a confirmação do diagnóstico de sua filha, Natalie decidiu aprofundar
seus conhecimentos em áreas que pudessem ser aplicadas tanto dentro como fora
de casa. "Desde cedo, tenho buscado estimular minha filha com a combinação
dos meus esforços e de outros profissionais especializados. Como resultado,
hoje ela tem poucas dificuldades nos diversos contextos em que está inserida.
Mas sabemos que a realidade de muitos é diferente, pois o diagnóstico e a rede
de apoio ainda são desafios consideráveis", avalia.
Ciência no espectro
Os filhos de Neusa e Natalie compartilham de um ponto
em comum: ambos têm crescido sendo acompanhados por uma ciência voltada a
compreender e melhorar o comportamento humano. Mais conhecida como ABA, a
Análise do Comportamento Aplicada tem ganhado espaço como o único tratamento
que possui evidência científica suficiente para ser considerado eficaz, segundo
a Associação para a Ciência do Tratamento do Autismo dos Estados Unidos. Ao
focar no impacto da condição autista em situações reais, essa abordagem amplia
comportamentos desejáveis e úteis, enquanto reduz aqueles prejudiciais ao
processo de aprendizagem. "Desde intervenções precoces até o
acompanhamento ao longo da vida, a terapia ajuda autistas a se conectarem com o
mundo ao seu redor, enquanto descobrem sua própria voz e identidade",
explica Natalie Brito Araripe, que também é diretora e analista do
comportamento na Luna ABA, em Curitiba (PR).
A ABA é uma intervenção abrangente e considera as
pessoas como um todo. "Ensinamos habilidades necessárias para que os
indivíduos com autismo se tornem independentes e tenham a melhor qualidade de
vida possível", esclarece Natalie. Segundo a psicóloga, consiste em um
plano terapêutico personalizado, com base em marcos globais do desenvolvimento,
com a preocupação de se adaptar às necessidades específicas de cada indivíduo
com autismo. "Estamos diante de vidas reais, de sonhos que anseiam por
serem realizados e da busca incessante por um futuro mais inclusivo. Mas nada
disso se tornará realidade sem um bom analista do comportamento aplicado, que
saiba combinar expertise teórica e experiência prática com um genuíno
compromisso com o bem-estar", complementa.
Jornada pela inclusão
É possível mudar a rota de desenvolvimento e
melhorar a qualidade de vida de pessoas com TEA? De acordo com a analista do
comportamento, a resposta para essa pergunta é sim. "Cada indivíduo é
único e responde de maneira diferente às intervenções. Mas quando se entende as
causas dos comportamentos e se desenvolvem intervenções personalizadas, os
resultados são certeiros", pontua a diretora da Luna ABA. Para autistas
como Thales, os treinos estruturados especialmente para suas necessidades fazem
toda a diferença e dão a oportunidade de se tornarem mais autônomos ao
aprenderem a cozinhar, lavar roupa e até mesmo caminhar na rua. "Ele
iniciou esse acompanhamento quando a ciência do comportamento estava começando
no Brasil e, hoje, vejo como valeu a pena cada dia", enfatiza Neusa.
No quebra-cabeça do Transtorno do Espectro Autista,
a jornada pela inclusão ganha cores vibrantes e histórias com finais felizes.
São crianças que aprendem a se comunicar, adolescentes que conquistam novas
habilidades sociais e adultos que encontram seu lugar no mundo. É o que reforça
Natalie Brito Araripe, que vê a análise do comportamento aplicada como um curso
para a vida, em que cada dificuldade é uma oportunidade de crescimento.
"Precisamos acolher as diferenças e acreditar que com elas virão novas
formas de pensar e novas possibilidades de ser", finaliza.
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