Com dinheiro gasto
em apenas 1 tratamento "de marca" é possível tratar 27 pessoas com
genérico
O governo colombiano emitiu
ontem, 24 de abril, a primeira licença compulsória para uso pelo Ministério da
Saúde do país. A decisão permitirá a ampliação do acesso a versões genéricas
mais acessíveis do medicamento dolutegravir sem autorização dos proprietários
da patente, a empresa ViiV Healthcare (uma joint-venture formada pelas
companhias GlaxoSmithKline, Pfizer and Shionogi).
Médicos Sem Fronteiras (MSF), juntamente com as organizações Public Citizen e a Corporação Global
Progresso Humanitário Colômbia, elogiou essa decisão histórica, considerada um exemplo
encorajador para países da América Latina, e também de fora da região, de como
uma licença compulsória pode funcionar na prática para melhorar o acesso a
medicamentos.
O dolutegravir é indicado como parte do regime de
tratamento de primeira linha para pessoas vivendo com o HIV, inclusive durante
a gravidez, de acordo com recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS). MSF usa um
tratamento de primeira linha com base no dolutegravir em alguns de seus
programas de HIV/AIDS e tem percebido claros benefícios aos pacientes, com
menos efeitos colaterais e menor risco de desenvolver resistência ao fármaco.
Apesar disso, em muitos países
onde MSF atua, o acesso a versões genéricas mais acessíveis do dolutegravir
continua sendo um desafio. Na Colômbia,
devido a barreiras de patentes e preços altos, MSF ainda não pôde introduzir o
dolutegravir em seus programas médicos. Embora versões genéricas estejam
disponíveis internacionalmente por uma fração do preço da ViiV’s, por meio de
licenças voluntárias com o Pool de Patentes de Medicamentos (MPP, na sigla em
inglês), a ViiV excluiu a Colômbia e muitos países de renda média de se
beneficiarem destas licenças. Com isso, a ViiV manteve seu monopólio e
continuou a cobrar preços altos na Colômbia e em outros países excluídos da
licença.
De acordo com o governo
colombiano, o custo estimado do tratamento com o dolutegravir, vendido pela
ViiV com o nome de Tivicay, era de US$ 1.224 por paciente por ano em 2023. É
uma cifra exorbitante se comparada aos US$ 22,80 ou US$ 44 por paciente por
ano, que foram os preços disponibilizados em 2023 pelo dolutegravir genérico
oferecido em 2023 por meio do Fundo Global e da Organização Pan-Americana da
Saúde (Opas), respectivamente, mas que não podiam ser adquiridos pela Colômbia.
Desta forma, o preço
disponível ao Ministério da Saúde por meio da licença compulsória (US$ 44 por
paciente por ano) é um passo enorme na direção de permitir um acesso a versões
genéricas do medicamento a todos que necessitam, incluindo a possibilidade de
que MSF passe a adotar o dolutegravir em seus programas médicos.
O Brasil também não pode
aceder aos preços do Fundo Global e da Opas, e o custo atual do tratamento no
país é de R$ 1.525,70 (cerca de US$ 300) por paciente/ano. O valor é inferior
ao cobrado da Colômbia, mas quase sete vezes superior ao do medicamento
genérico que será adquirido pelo país.
Repercussão
Dra. Carmenza Gálvez,
coordenadora médica de MSF para Colômbia e Panamá:
“A decisão da Colômbia de emitir uma licença
compulsória para o dolutegravir é uma grande notícia porque, até agora, não
conseguimos introduzir o medicamento em nossas operações, devido aos custos
proibitivos. Desta forma, acolhemos de forma intensa a decisão e a notícia de que o
preço do genérico será acessível. Isso vai facilitar o uso do dolutegravir em
nosso tratamento de primeira linha para HIV oferecido a sobreviventes de
violência sexual em nossas operações na Colômbia, e vai permitir que mais e
mais pessoas vivendo com HIV na Colômbia tenham acesso aos medicamentos mais
eficazes.”
Luz Marina Umbasia Bernal,
diretora da Corporação Global Progresso Humanitário Colômbia:
“O licenciamento do dolutegravir na Colômbia vai
evitar a transmissão do HIV, chegar a migrantes que necessitam de tratamento,
apoiar a sustentabilidade financeira do sistema de saúde colombiano e promover
equidade e os direitos humanos de pessoas vivendo com HIV. No nível
regional, implementar esse mecanismo gera um precedente vital para a promoção
do acesso a medicamentos essenciais. É preciso caminhar para a eliminação do
HIV como um problema de saúde pública mundial e contribuir para cumprir os
Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Governos da América
Latina têm o direito de usar flexibilidades do acordo TRIPS (que trata de
propriedade intelectual no âmbito da Organização Mundial do Comércio) para
proteger a saúde de seus cidadãos.”
Peter Maybarduk, diretor de
acesso a medicamentos, Public Citizen:
“A Colômbia está abrindo um precedente rumo à
equidade global em saúde. Isso vai inspirar novas contestações regionais a
barreiras impostas por patentes e melhorar o acesso a tratamentos rumo a uma
geração livre da AIDS. Ativistas em prol do tratamento têm trabalhado há muitos
anos por essa decisão, ajudando a Colômbia a enfrentar as grandes empresas
farmacêuticas. Quando soluções globais tem resultados frustrantes, os países
podem e devem assumir o protagonismo para assegurar o acesso a medicamentos
para todos.”
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