Brasil precisa
avançar em modelos que facilitem o financiamento de projetos de infraestrutura
com benefícios ambientais e sociais
O movimento de aliar a proteção do meio ambiente ao
crescimento das economias não é novo, mas ganhou força desde o início da
pandemia do coronavírus. A chamada recuperação verde (ou green
recovery) ainda engatinha no Brasil, segundo especialistas. Avançar
de fato neste sentido exige que o Executivo incorpore, tal como fez a Europa,
propostas calcadas em negócios de impacto socioambiental positivo, que coloquem
o país no caminho de uma economia sustentável, com baixa emissão de carbono.
“O Decreto 10.387, editado em junho pelo governo
federal, é um exemplo, na medida em que incentiva o financiamento de projetos
de infraestrutura com benefícios ambientais e sociais. No entanto, é preciso
que o estado brasileiro vá além e dê sinais mais claros de que está trazendo a
sustentabilidade para o centro da geração de riquezas no país. Este é um movimento
que tem sido liderado pelo setor privado, em especial no mercado capitais”,
avalia Marcel Fukayama, membro da Rede de Especialistas em Conservação da
Natureza (RECN), cofundador do Sistema B Brasil e diretor executivo do Sistema
B Internacional, plataforma global que ajuda empresas a criarem estruturas que
alinhem a obtenção de lucro à responsabilidade socioambiental.
Tem chamado atenção, por exemplo, o surgimento de
fundos ASG, que levam critérios ambientais, sociais e de governança como
fatores determinantes de investimento. Dos US$ 300 trilhões sob gestão do
mercado financeiro global atualmente, US$ 30 trilhões são destinados a
investimentos ASG.
“Vimos avanços importantes no mercado de capitais
desde que a pandemia começou. No lado do governo, vai haver cada vez mais
pressão para políticas aliadas aos critérios ASG, ainda que não seja pauta
prioritária. No entanto, o mercado já vem percebendo – talvez mais pela dor do
que pelo amor – que não há como se sustentar sem levar em consideração o ambiente,
a sociedade e a governança. Temos diante de nós uma oportunidade de
reconstrução. E toda oportunidade de reconstrução é uma oportunidade econômica,
pois são realizados investimentos em infraestrutura e em empregos em uma escala
que dificilmente se vê”, diz Fukayama, que colabora com o Ministério da
Economia por meio da Estratégia Nacional de Investimentos e Negócios de Impacto
(ENIMPACTO) na elaboração de sugestões para o Pró-Brasil, programa de retomada
pós-pandemia do governo federal, anunciado em abril, mas que ainda não saiu do
papel.
Para ele, a forte restrição fiscal é o grande
desafio, mas que pode se reverter em oportunidade para trazer a força do
mercado para contribuir com essa retomada, abandonando os modelos da velha
economia e promovendo uma nova, inclusiva e regenerativa.
Cenário
“Está claro que as estruturas econômicas e sociais
são insustentáveis sem uma natureza resiliente.” Quem faz a avaliação é o Fórum
Econômico Mundial, que em relatório publicado em julho apresentou propostas de
como países e setores empresariais podem construir um futuro no qual a natureza
não seja mais degradada sob a justificativa de geração de riquezas. Intitulado
“The Future of Busines and Nature", o relatório destaca que a incorporação
de aspectos sociais e ambientais pelos negócios pode gerar US$ 10 trilhões e
395 milhões de empregos até 2030.
“As atuais políticas são ineficientes no combate ao
desmatamento e não são suficientes para responder às demandas do planeta, que
vão em direção à Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável. Não está claro
como o Brasil vai conseguir fazer isso e cumprir o Acordo de Paris, que prevê a
neutralidade de carbono até 2050. Há ainda um grande vácuo na política para que
isso aconteça e infelizmente não temos tempo para esperar”, afirma Fukayama.
No começo do ano, o Fórum Econômico Mundial já
havia alertado para o risco de que metade do PIB (Produto Interno Bruto) do
planeta pudesse ser perdida em razão de negócios que hoje são dependentes da
natureza e de seus serviços ecossistêmicos. Isso significaria US$ 44 trilhões a
menos no mundo, o que acentuaria as desigualdades.
A União Europeia vem liderando o movimento de
recuperação verde até aqui. Em maio, quando o bloco ainda sofria gravemente os
efeitos da pandemia, a Comissão Europeia divulgou um plano para a retomada da
economia dos países membros. Dos 750 bilhões de euros previstos para os
próximos anos, 25% serão destinados a iniciativas de mitigação das mudanças
climáticas e degradação da natureza. É previsto, por exemplo, a injeção de
dinheiro em maneiras de se melhorar a eficiência energética, a geração de
energia e a produção de veículos não-poluentes.
A medida, contudo, não serve apenas para a
recuperação imediata da economia europeia, mas também para prepará-la para o
futuro, visto que, ao que tudo indica, a crise atual se iniciou em razão de uma
doença zoonótica provocada justamente pelo distúrbio humano em ambientes
naturais. Até junho, governos e organizações internacionais já investiram algo
próximo a US$ 9 trilhões para a prevenção dos impactos econômicos e humanos
mais imediatos da pandemia. Ainda assim, apesar de todo esse esforço, o novo
coronavírus tem causado efeitos de proporções catastróficas.
Um estudo publicado no final de julho na revista Nature
estimou que o custo de prevenir uma pandemia por meio de ações ecológicas é 500
vezes menor do que os prejuízos econômicos decorrentes dela. Enquanto as
despesas anuais com o monitoramento do comércio de animais e a redução do
desmatamento, entre outras medidas, ficariam entre US$ 22 bilhões e US$ 31,2
bilhões, os prejuízos de uma pandemia poderia variar de US$ 8,1 a US$ 15,8
trilhões, dependendo da sua taxa de mortalidade.
Nos Estados Unidos, a retomada verde é conhecida
como “New Green Deal”, uma série de medidas estruturais para
reduzir a poluição do país. Uma das propostas defende que a economia americana
atinja a neutralidade de emissões até 2050. No entanto, assim como no Brasil, o
avanço de legislações sustentáveis no campo econômico ainda esbarra em questões
políticas e ideológicas. No país, o movimento tem sido liderado pelo setor
empresarial e financeiro, mas ainda com impactos limitados, sem o apoio mais
contundente do poder público. O cientista Carlos Nobre, membro da RECN, que tem
atuado com iniciativas tecnológicas na Amazônia, cunhou o termo "Amazon
Green Deal" para fazer referência ao novo modelo de
desenvolvimento socioeconômico da região.
Rede
de Especialistas
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