A falta de cuidado das empresas na prevenção ao contágio por Covid-19 no local de trabalho pode conceder aos funcionários o direito à rescisão indireta do contrato, modalidade na qual a dispensa ocorre por vontade do empregado. A CLT prevê, entre as hipóteses de dispensa indireta, a situação em que o trabalhador corre “perigo manifesto de mal considerável”. O desligamento equivale à demissão sem justa causa com o recebimento de verbas rescisórias, como o aviso prévio e a indenização correspondente a 1/3 das férias, além do acesso ao seguro-desemprego.
Outras
hipóteses existentes na lei trabalhista para a rescisão indireta são a
exigência de serviços superiores às forças do empregado; serviços “proibidos por
lei, contrários aos bons costumes, ou alheios ao contrato”; o rigor excessivo
no tratamento recebido por parte dos superiores; o descumprimento de obrigações
do contrato; a prática de ato lesivo ou de ofensas físicas pelo empregador; a
redução da carga de trabalho com impacto no salário; obrigações legais do
funcionário que impeçam a continuidade do trabalho; e a morte do empregador, no
caso de se tratar de uma empresa individual.
Erick Magalhães, advogado especialista em Direito do Trabalho e sócio do
escritório Magalhães & Moreno Advogados, aponta
que decisões judiciais em favor do trabalhador dependem hoje das medidas de
prevenção ao vírus que devem ser cumpridas pelas empresas em cada município ou
unidade federativa. “No Estado de São Paulo, há o Decreto Estadual 64.959,
que determina a obrigatoriedade do uso de máscaras respiratórias como forma de
atenuar a transmissão do vírus. Portanto, se uma empresa vai na contramão dessa
obrigatoriedade colocando em risco a saúde e a segurança de seus empregados,
tal fato configura motivo para a rescisão indireta”, exemplifica.
Já Luiz
Fernando de Andrade, advogado trabalhista do escritório Baraldi Mélega
Advogados, lembra que é importante que as empresas se atentem
não apenas à aplicação de medidas de prevenção ao contágio, mas também ao seu
cumprimento por parte dos funcionários. “Além da disponibilização dos EPIs, o
empregador deverá fiscalizar a utilização por parte dos trabalhadores, se estes
estão utilizando-os de modo adequado. Em caso negativo, deverá aplicar-lhes
advertências”, alerta.
O
especialista ainda explica que o Judiciário, ao analisar pedidos de rescisão
indireta, verifica a existência de elementos necessários, como a gravidade do
caso em questão e a responsabilidade do empregador. “É indispensável a produção
de diversas provas durante o curso do processo para que se demonstre em juízo
que o patrão praticou determinada falta grave, tornando insustentável o vínculo
de emprego”, afirma.
A advogada
trabalhista do escritório Aith, Badari e Luchin Advogados, Bianca Canzi,
orienta que o trabalhador, ao perceber a situação em que cabe a rescisão
indireta, rompa o contrato e comunique o fato ao empregador. O próximo passo é
ingressar com a ação na Justiça. “Contudo, o funcionário deve deixar o serviço
apenas após decisão do Tribunal Superior do Trabalho (TST) para que não
configure abandono do trabalho”, aconselha.
De
acordo com especialistas, a possibilidade de dispensa indireta é mais um motivo
para que as empresas tenham atenção com o cumprimento de medidas que previnam o
contágio pelo coronavírus em suas dependências. Exemplos são o fornecimento e o
uso de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs), como as máscaras, e o
distanciamento entre as estações de trabalho. Entretanto, o direito à rescisão
indireta ainda não é pacificado no Judiciário.
Outras situações
Segundo os especialistas, a negligência com a saúde e a segurança do funcionário por parte do empregador é uma justificativa comum para a rescisão indireta. Recentemente, a Segunda Turma do TST reconheceu a uma operadora de máquinas, em uma fábrica de Itajaí (SC), a dispensa indireta por conta do desenvolvimento da Síndrome do Manguito Rotador, uma doença ocupacional relacionada ao ombro. Os ministros entenderam que houve o descumprimento das obrigações do contrato em relação à garantia de um ambiente seguro para a execução das tarefas, o que se configura como falta grave do empregador.
O
advogado trabalhista Luiz Fernando de Andrade explica que, em casos como esse,
é necessário que seja realizada perícia médica para avaliar a relação entre o
desenvolvimento da doença e o trabalho exercido. “Caso tenha ficado demonstrado
que a empregadora foi negligente, estaria justificada a rescisão indireta.
Todavia, não é possível generalizar, sendo que a análise deve ser feita caso a
caso”, pondera.
Outra
justificativa para a dispensa indireta é o atraso no pagamento dos salários e no
depósito do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). A segunda turma do
TST tem proferido decisões em favor do trabalhador desde que a prática por
parte da empresa seja corriqueira. “Caso ocorra falha no pagamento do salário,
o atraso não pode passar de um mês”, esclarece Ruslan
Stuchi, advogado trabalhista e sócio do escritório Stuchi Advogados.
“O recolhimento de valores inferiores aos devidos ao FGTS constitui em uma
falha grave. O saque do benefício é bastante requerido pelos empregados”,
acrescenta.
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