Temos ouvido nos últimos dias notícias sobre a disparada da inflação, com destaque para os preços dos alimentos e da gasolina. Cumpre esclarecer que o fenômeno chamado “inflação” é medido segundo critérios próprios e apresenta variações dependendo do índice adotado. No Brasil a inflação oficial é determinada pelo IBGE, por meio do IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo). Para se ter uma ideia, este indexador bateu 0,24% em agosto de 2020, percentual que representa a maior alta no mês desde 2016. Em julho o aumento foi ainda maior de 0,36%. No ano a variação é positiva em 0,70% e em 12 meses 2,44%.
Por outro lado, existem os
índices denominados “Índice Geral de Preços Mercado” (IGP-M) e “Índice Geral de
Preços Disponibilidade Interna”, ambos conferidos pela Fundação de Getúlio
Vargas, os quais apontaram para uma inflação muito superior. A diferença entre
o IGP-DI e o IGP-M é o período de coleta das informações. Estes indexadores são
usados em diversos tipos de contratos, inclusive os de locação de imóveis
comerciais. Diferentemente do IPCA/IBGE, por exemplo, os IGPs têm em sua
composição, correspondendo com 60%, o IPA (Índice de Preços ao Produtor Amplo –
antes conhecido como Índice de Preços por Atacado). Por esta razão, estes índices
sofrem grande influência de variações no câmbio, preços de commodities etc.
O IGP-M elevou 2,74% em
agosto, acumulando 9,64% no ano 2020 apurado até o mês de agosto e 13,02% em 12
meses também nesta base. Em agosto de 2019, o indexador apontou deflação (queda)
de 0,67% e acumula alta de 4,95% nos últimos m 12 meses. O IGP-DI agora em
agosto foi ainda mais oneroso com a incrível variação positiva de 3,87%.
Comparando o IPCA/IBGE e o
IGP-M/FGV a contar de 2018, observamos um descolamento deste último, o qual
acelerou em 2020:
2018 |
2019 |
2020 |
|
IPCA/IBE |
3,75% |
4,31% |
0,70% |
IGP-M/FGV |
7,54% |
7,30% |
9,64% |
Considerando que grande parte
dos contratos de locação de imóveis destinados para fins comerciais o índice de
reajuste do aluguel eleito é o IGP-M ou IGP-DI, não precisa dizer o problema
enorme que os lojistas estão passando, uma vez que os seus locativos sofreram
ou sofrerão majorações expressivas, lembrando que o setor varejista foi
severamente afetado pela pandemia de Covid-19.
A correção monetária do
aluguel não é obrigatória, isto é, depende de cláusula estabelecida no contrato
e locação. Além do mais, não existe um índice exclusivo para os aluguéis, ou
seja, as partes são livres para elegê-lo. Ocorre que na prática muitos
locadores impõem os IGPs, em que pese os pleitos dos lojistas. Uma solução
intermediária seria definir como critério de reajuste a aplicação do percentual
médio entre o IGP e o IPC.
Conforme estudos realizados,
inclusive pela Fundação Getúlio Vargas, os IPCs são os indexadores mais
indicados para reajustar os aluguéis oriundos de contratos de locação de
imóveis destinados para lojas, na medida em que as suas variações acompanham os
preços dos produtos destinados ao consumidor final, ao contrário do que acontece
com os IGPs e outros.
Sob esta ótica, defendo que
os lojistas inquilinos de imóveis comerciais têm fortes argumentos para
requerer judicialmente a substituição dos índices de reajustes, quando estes se
apresentam inadequados e excessivamente onerosos, seja através de ação própria
ou por meio das ações revisional de aluguel e renovatória de contrato de
locação. Como a pandemia do novo Coronavírus refletiu na inflação apurada pelos
IGP, bem como caracteriza fato imprevisível e extraordinário, os prejudicados
possuem ainda mais argumentos para justificar a alteração do indexador.
As majorações trazidas pelos
IGPs são impossíveis de serem absorvidas pelos comerciantes e acarretam em
distorções que só beneficiam os locadores, além de serem ruins para toda a
sociedade, tendo em vista que, no final das contas, impactam os preços dos
produtos finais.
Daniel Cerveira - advogado, sócio do escritório
Cerveira, Bloch, Goettems, Hansen & Longo Associados Advogados Associados,
consultor jurídico do Sindilojas-SP, pós-graduado em Direito Econômico pela
Fundação Getúlio Vargas São Paulo, autor do livro "Shopping Centers -
Limites na liberdade de contratar", Editora Saraiva e professor dos cursos
MBA em Varejo e Gestão de Franquias da FIA – Fundação de Instituto de Administração
e da pós-graduação em Direito Imobiliário do Instituto de Direito da
PUC/RJ
Nenhum comentário:
Postar um comentário