Sob o título O Que As Mulheres Querem, a psicanalista Betty Milan escreveu em Veja, faz muito tempo: Há “uma verdade que não é datada sobre o desejo feminino: ele é tão indissociável da liberdade quanto o masculino”. Sustenta que só há entendimento entre os dois sexos “quando o fato de um ser livre é decisivo para o outro”. Neste caso, e só nele, existe a afinidade sentimental verdadeira”.
Acrescento: só há sentido em alguém permanecer com alguém
se perdurar vontade. Nas coisas do querer, promessa não se sustenta por
obrigação. Vale a atenção ao desejo, ao próprio e ao do par. Vivendo-se em
liberdade, obediente apenas à atração, está-se fazendo opção de vida, não
apenas cumprindo hábitos. Não creio, porém, que a maioria esteja de acordo com
o pensamento de Betty e meu.
Milan conclui afirmando que a fala amorosa que deveria
unir um casal é: “vá em frente, não tenha medo, faça o que você quiser”. Não
acredito que se pratique isso por aí. Minhas observações pessoais e alguma
leitura permitem-me dizer que poucas pessoas alcançam tal condição de
independência existencial; a grande maioria dos casais continua com rigorosa e
emocionada fiscalização recíproca.
Na verdade, parece-me que, além de limites muito
explícitos – traçados por um em relação ao comportamento do outro – há
desconfiança, declarada ou não, sempre muito presente. Talvez assim seja porque
haja um sofrimento que habita a mente dos amantes, causado pela suspeita
doentia que uma parte tem do que a outra poderia estar fazendo, ou até
pensando: vai que do pensamento pula para o ato!
O “charme” do ciúme, a impaciente possessividade, a
padecente insegurança. Será um equívoco, tenha lá o nome que se lhe dê. É
problema. Então, que se o resolva dando conta de si, com remédio, com
analista... Não é adequado lançar transtornos sobre a pessoa “amada”. Ela, por
algum tempo, suportará o fardo, enganando-se que é sinal bem querença, mas logo
dará um basta, se tiver estima própria.
Por homem ou por mulher (que, sim, também controla), o
exercício de sistemas repressivos é desrespeitoso em si. O objeto do meu desejo
não é meu, não é, – ou não deveria ser – subordinável a um sistema de controle.
O ciúme foi glamourizado como a chama do amor, mas, na verdade, é a “queima” da
relação. Esse amor arrevesado é a causa dos não poucos homicídios passionais no
Brasil.
Sentimentos dolorosos, mesquinhos, exacerbados; não me
parecem afetos prestáveis para alimentar uma boa relação. Ademais, não garantem
resultado. Duvido que no mundo de hoje, em que as pessoas, mulheres ou homens,
circulam pelas ruas, trabalham fora de casa, viajam, têm telefones, dirigem,
usam senhas em computador, e o que mais a imaginação permita, possa haver
controle eficiente.
Os casais ficam distantes horas em cada dia, e é em
minutos que os piores pesadelos do vigilante ciumento podem virar realidade.
Alguém saiu com alguém que não era o alguém controlador. “Ficou” com esse outro
alguém. O padecente das perturbações do amor intranquilo vê todo o seu sôfrego
zelo desvanecer-se. É assim mesmo, as coisas da paixão são fugidias,
insubordináveis à inspeção.
A mim me parece que a única fórmula capaz de
manter o laço amoroso se avia com sedução. Manter a atração, cativar a pessoa
ao lado, mais ainda ser for a antiga companhia, é muito mais provável pelo
feitiço das palavras amorosas, pelo encantamento dos gestos carinhosos do que
por uma controladoria sentimental, rompida a qualquer custo por alguma
fascinação que atice o gosto lá fora.
Léo Rosa de Andrade
Doutor em
Direito pela UFSC.
Psicanalista e
Jornalista.
Nenhum comentário:
Postar um comentário