O
resguardo incontornável da quarentena é uma oportunidade para olhar para dentro
e se reinventar, assim como fazem as mães no pós-parto. Assim como a mulher que
se tornou mãe jamais voltará a ser a pessoa que era nove meses antes, a
humanidade pós-coronavírus também estará mudada para sempre. É como uma ponte
que se destrói depois de atravessá-la.
Silenciar,
escutar, resguardar, refletir e reinventar. Essas são as recomendações para as
mulheres no puerpério: fase pós-parto marcada por modificações físicas,
emocionais, psicológicas, espirituais que impactam a dinâmica familiar. Esse é
um momento de recolhimento, de adaptação à nova rotina e, ao mesmo tempo, um
período em que as mães ficam com o canal muito aberto para acessar
conhecimentos internos; as suas luzes e sombras. Sinto que esta quarentena –
que a humanidade vive por conta da pandemia do coronavírus – está sendo uma
experiência muito parecida com o puerpério.
Pessoas
do mundo inteiro estão sendo obrigadas a passar semanas com a mobilidade
restrita. Algumas sequer saem de casa. Adotamos a mesma conduta das mães com
bebês recém-nascidos. Esse isolamento é um convite, sem possibilidade de
recusa, de nos distanciarmos do mundo externo e, assim como o puerpério, não
veio com manual de instruções. Nesse contexto, somos obrigadas a encarar sem
filtros a própria companhia e a de pessoas que escolhemos estar mais próximas
de nós. Acredito que o mundo está nos chamando para refletir sobre nossos
valores e relações. Como você tem recebido esse chamado da Terra?
Entre
as mulheres que atendo e com as quais converso, muitas estão sentindo sinais de
estresse, que se manifestam inclusive fisicamente – na forma de candidíase, por
exemplo. Emocionalmente, estamos mais à flor da pele, uma grande “TPM”. É
natural que seja assim. A convivência ininterrupta conosco pode despertar
incômodos. Se antes havia distrações e mudança de ares – como ir ao escritório
e encontrar os amigos –, agora tudo virou mingau. O trabalho é em casa, as
crianças estão em casa, os companheirxs também. E nos momentos à sós, é como se
tivéssemos um espelho em nossa frente. Tudo vem à tona.
Acredito
que podemos escolher como vamos passar emocionalmente por esse momento. Podemos
vibrar no medo e na angústia ou navegar nessa oportunidade que nos convoca a
olhar para dentro. Como explico no “O Pequeno Livro sobre o Puerpério” –
publicado pela Primavera Editorial – a fase pós-parto é um mergulho, um momento
de autoconhecimento, de percepção de necessidades, frustrações, traumas e
crenças. De maneira similar ao puerpério, quando a mulher está reclusa com seu
bebê, as pessoas em quarentena, que se propuserem a silenciar, percebem os
próprios canais mais abertos para a conexão e entendimento interno, sem
interferências do mundo exterior. É tão assustador quanto libertador.
Temos
a possibilidade de aprender a ficar a sós conosco ou descobrir por que é tão
difícil fazer isso. Praticar a autorresponsabilidade, mexendo no que está dentro
em vez de apenas querer mudar a realidade lá fora. Ressignificar. Aprender a
viver um dia de cada vez, sentindo as energias que se apresentam sem que haja
resposta certa. É um momento misterioso e de incertezas em relação ao futuro.
Por isso, a intensidade do presente. Tanto na pandemia quanto no puerpério o
melhor é viver o agora, pois o amanhã é desconhecido. A única certeza que temos
é de que é um ciclo e esta fase vai passar.
Esse
olhar para o agora, somado ao tempo na reclusão faz as pessoas observarem os
problemas do mundo, que antes talvez passassem despercebidos. Os sintomas estão
mais evidentes. Não está sendo fácil. Vivemos em um país desigual e muitas
famílias estão vulneráveis. A violência doméstica aumentou. Estamos todos
lidando com o acúmulo de tarefas. É claro que precisamos fazer a nossa parte
para diminuir o impacto social. E também é importante agora criar momentos para
usufruir desse resguardo. Outro dia, em um encontro de mulheres, houve um
relato de uma delas que se refugiou dentro do carro na garagem para ter um
momento sem interrupções. Estamos nos reinventando. Eu mesma, com três filhos,
estou aprendendo a criar novos ritmos e eles também.
Vamos
nos permitir. Pergunte-se qual é a sua prioridade. Repense seus acordos. Pare
para escutar e descobrir o que precisa deixar ir embora. Iniciamos a quarentena
no outono, que na natureza é um momento de poda. Vamos deixar para trás o que
já não faz sentido. O consultor Ricardo Guimarães, com quem trabalhei no
passado, dizia uma frase que se aplica bem a esse momento: se você tiver seis
horas para cortar uma árvore, passe cinco afiando o machado. Então, que tal nos
entregar para a escuta e para o silêncio antes de agir? As respostas virão.
Sinto
também que é um momento de trazer a força do feminino para a linha de frente. O
mundo está precisando dela. Da energia do acolhimento e da intuição. Da
sabedoria dos ciclos, do morrer e renascer. Um bom exemplo é o fato de que
países liderados por mulheres – como Alemanha, Nova Zelândia e Noruega –, por
meio do cuidado e da sensibilidade estão se tornando um modelo para o combate à
pandemia, a despeito do incerto. É urgente a necessidade de alinhar razão e
emoção. De equilibrar ventre, coração e visão.
Assim
como a mulher que se tornou mãe jamais voltará a ser a pessoa que era nove
meses antes, a humanidade pós-coronavírus também estará mudada para sempre. É
como uma ponte que se destrói ao atravessá-la. Não há como voltar ao que era –
o que gera um processo de luto. Agora é o momento de vivermos esse luto e
ressignificarmos quem somos para o novo mundo. Como seremos, depende se vamos
nos permitir vivenciar esse puerpério da humanidade. Podemos ignorar esse
convite que a Terra está nos fazendo, mas assim como um puerpério sem
resguardo, essa rejeição pode nos cobrar um preço lá na frente, nos colocando
em situações que nos forçarão a fazer essa pausa. Convido todos a aceitarem
esse chamado para um mergulho interno, assim como falei às mulheres puérperas
em meu pequeno livro. Vamos sair dessa mais fortes e, quem sabe, atingindo um
nível acima na nossa espiral de desenvolvimento.
Maria
Barretto - é, antes de tudo, uma curiosa pelos mistérios do corpo, da alma
e dos ciclos da mulher. Mãe de Tereza, José e Ana, tem se dedicado profissionalmente
ao trabalho com mulheres há mais de dez anos. Seu trabalho é contribuir
para que todas mulheres mergulhem em uma jornada de autoconhecimento,
reconectando-se com o Ser Mulher, trabalhando com o feminino e masculino, e
conhecendo mais o próprio corpo, a sexualidade, a natureza cíclica, a
criatividade e a capacidade de gerar vida. Usa diversas ferramentas e técnicas
como Coaching, ThetaHealing, Cura e Bênção do Útero, Escuta Empática, Sabedoria
das Avós da Tribo da Lua, Toque, Anatomia Emocional, Massagem, Oráculos e o uso
de Ervas Medicinais.
Primavera
Editorial
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