Desde o
medievo a sociedade inventa e se reinventa. À medida que o humano progride ou
regride em certos conceitos e modo de viver, movimentos identificados no tempo
com pontualidade descritiva recebem o epíteto de revoluções, e assim tivemos a
revolução cognitiva, revolução agrícola, revolução industrial e agora na dita
era pós-moderna a revolução tecnológica, apenas para citar aquelas dignas de
nota. Interessante observar que esses marcos temporais se imbricam no tecido
social de modo a gerar efeitos inimagináveis em todas as direções e em muitos
sentidos, independente da própria participação da deidade enquanto crença
individual inflada pelo secularismo.
Das
cavernas para a tela do computador e “online”; da caça para o mercado do
teletrabalho; do cansaço físico para o esgotamento mental; da crença no cosmos
para a crença do homem em si mesmo, como o ser “autossuficiente” e soberano;
dos recados que demoravam dias para chegar pelo portador para o “Whatsaap”; do
homem com temor reverencial ao homem-narciso.
Todo esse
escopo - que inegavelmente em certa medida se apresenta como progresso-,
carrega consigo um ideal imaginário da busca do homem pela plena felicidade,
sem que se perceba que somos apenas um algoritmo inserido em todo o processo
social. Este nos parece, o cuidado consequencial do que vivemos, principalmente
pelas significativas alterações na forma das relações de trabalho.
Isolados,
em razão da pandemia do Covid-19, em apurado distanciamento social pela
calamidade decretada, na era da tecnologia e da informação, jamais passamos por
maior incerteza de informações face à miríade de interesses políticos, que
tratam o homem como a vida fosse questão de somenos. Nesse sentido, o
retrocesso é evidente.
De outro
ângulo, a dita normalidade instalada nas relações entre empregados e
empregadores, com trabalho à distância, reuniões telepresenciais, acabaram por
transferir em parte considerável do mercado a célula operacional empresarial
para o interior dos nossos lares, aproximando grande parte da cadeia produtiva
e de gestão para o que chamamos de “olho no olho online”.
E estudos
recentes indicam esse novo caminho das relações trabalhistas. Dados recentes
do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) revelou que a migração
do trabalho presencial para o home office poderá ser adotada em 22,7% das
ocupações nacionais, alcançando mais de 20 milhões de pessoas. Isso colocaria o
país na 45ª posição mundial e no 2º lugar no ranking de trabalho remoto na
América Latina.
Importante
destacar que a quarentena imposta pela pandemia levou 77% das pequenas e
médias empresas brasileiras para o home office. Os dados são do estudo
global realizado pelo software Capterra e pelo instituto de estudos
Gartner, com 4.600 profissionais de pequenas e médias empresas da Austrália,
Brasil, Espanha, França, Alemanha, Itália, México, Holanda e Reino Unido, entre
os dias 4 e 14 de abril. O levantamento revelou que empresas de todo o
mundo estão se adaptando ao trabalho remoto. E entre os países
analisados, o Brasil é o primeiro lugar em proporção de trabalhadores remotos.
A pesquisa também constatou que antes da pandemia, 42% dos trabalhadores não
costumava trabalhar remotamente e, agora, 55% acredita que os negócios podem
funcionar permanentemente com equipes remotas.
Já outra
pesquisa realizada pela Cushman & Wakefield aponta que cerca de 85%
dos executivos no Brasil enxergam mais vantagens do que desvantagens no
trabalho remoto. Além disso, 73,8% das empresas pretendem adotar o sistema home
office de alguma forma após a pandemia. São sinais dos tempos, um
adaptação acelerada.
Noutras
palavras, há mais um ocupante nos nossos lares, pois dividimos a nossa mesa de
jantar com os filhos, esposas e agora com a empresa, e tudo isso muitas vezes
ao mesmo tempo. Enquanto trabalhamos arrumamos o “Ipad” do filho, jantamos,
discutimos assuntos familiares importantes, como se fossemos máquinas.
Esse novo
normal, se não cadenciado com o cuidado necessário, será capaz de causar o
distanciamento dos próximos (família) pela aglutinação indevida dos espaços de
tempo do trabalho em nossas vidas. E, de outro lado, a aproximação dos que por
certo tempo do dia deveriam estar distantes (empresas e negócios), causando
importante poluição mental, capaz de gerar significativos problemas em nossa
saúde. Nesse caminho sem volta, o equilíbrio significa o reconhecimento de que
o antigo cartão de ponto deve ser substituído pelo autogerenciamento do tempo
de trabalho e a antiga macarronada da casa da vovó aos domingos, deve ser
reinaugurada sem a intoxicação de qualquer meio de comunicação que a atrapalhe.
Permita-se viver cada coisa em seu tempo!
Ricardo Pereira de Freitas
Guimarães - advogado, titular da cadeira 81 da Academia Brasileira de
Direito do Trabalho, mestre e doutor em Direito do Trabalho pela PUC-SP e
professor da pós-graduação da PUC-SP e dos programas de mestrado e doutorado da
FADISP-SP
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