Em artigo de
revisão publicado no American Journal of Physiology, grupo da USP apresenta evidências científicas sobre o
impacto de curtos períodos de inatividade física no sistema cardiovascular e
defende a prática de exercícios no ambiente domiciliar durante a quarentena (foto: Pixabay)
Entre os
efeitos colaterais das medidas de isolamento social adotadas para conter a
COVID-19 está o aumento do sedentarismo, que pode contribuir para a
deterioração da saúde cardiovascular mesmo em curtos períodos de tempo. Idosos
e portadores de doenças crônicas tendem a ser os mais afetados.
O alerta
foi feito por pesquisadores da Faculdade de Medicina da Universidade de São
Paulo (FM-USP) em artigo de revisão publicado no American Journal of Physiology. Segundo os autores, o
apelo feito por governantes e profissionais da saúde para que as pessoas
“fiquem em casa” é válido na atual conjuntura, sem dúvida. Mas deve vir
acrescido de uma segunda recomendação: “não fiquem parados”.
“Uma
pessoa precisa fazer ao menos 150 minutos de atividade física moderada a
intensa por semana para ser considerada ativa, de acordo com as diretrizes da
Organização Mundial da Saúde [OMS] e das sociedades médicas. O uso de academias
e centros esportivos ficará limitado nos próximos meses, mesmo após o fim da
quarentena. A atividade física realizada no ambiente domiciliar surge como uma
alternativa interessante”, afirma Tiago Peçanha,
bolsista da FAPESP de pós-doutorado e
primeiro autor do artigo, que apresenta uma série de evidências científicas
relacionadas ao impacto de curtos períodos de inatividade física sobre o
sistema cardiovascular.
Alguns dos
estudos avaliados mostraram, por exemplo, que manter uma pessoa acamada durante
24 horas pode induzir atrofia cardíaca e redução significativa no calibre dos
vasos sanguíneos em um período que variou entre uma e quatro semanas. Peçanha
ressalta se tratar de um modelo agressivo, que não representa o que ocorre
durante a quarentena. “Mas há outros experimentos relatados no artigo que são
bastante representativos”, diz o pesquisador.
Em um
deles, voluntários foram induzidos a reduzir de 10 mil para menos de 5 mil o
número de passos diários durante uma semana. Ao final, notou-se redução no
diâmetro da artéria braquial (principal vaso do braço), perda da elasticidade
dos vasos sanguíneos e danos ao endotélio (camada de células epiteliais que
recobre o interior das veias e artérias).
Há ainda
experimentos em que os voluntários foram mantidos sentados continuamente
durante períodos que variavam entre três e seis horas. O tempo de inatividade
foi suficiente para promover alterações vasculares, aumento nos marcadores de
inflamação e no índice glicêmico pós-alimentação.
“Essas
primeiras alterações observadas nos estudos são funcionais, ou seja, o coração
e os vasos sanguíneos dos voluntários saudáveis passaram a funcionar de forma
diferente em resposta à inatividade física. Caso a situação se prolongue,
porém, a tendência é que se transformem em alterações estruturais, mais
difíceis de reverter”, explica o pesquisador.
Se
indivíduos saudáveis podem correr atrás do prejuízo – literalmente –, o impacto
do sedentarismo prolongado tende a ser nefasto para pessoas com doenças
cardiovasculares e outras condições crônicas de saúde, como diabetes,
hipertensão, obesidade e câncer. No caso dos idosos pode também agravar a perda
generalizada de massa muscular – quadro conhecido como sarcopenia – e aumentar
o risco de quedas, fraturas e outros traumas físicos. O grupo da FM-USP
publicou artigo a
respeito no Journal of the American Geriatrics Society.
“Essas
populações mais vulneráveis aos efeitos do sedentarismo também integram o grupo
de risco da COVID-19 e, portanto, precisarão se resguardar em casa durante os
próximos meses. O ideal é que encontrem estratégias para se manterem ativas,
seja realizando tarefas domésticas, caminhando até o jardim, subindo escadas,
brincando com os filhos ou dançando na sala. As evidências científicas indicam
que a prática de exercícios no ambiente domiciliar é segura e eficaz para
controlar a pressão, melhorar as taxas lipídicas, a composição corporal, a
qualidade de vida e de sono”, afirma Peçanha.
Para os
pacientes de maior risco, principalmente aqueles não habituados à prática de
exercícios, o pesquisador recomenda supervisão por profissionais de saúde,
ainda que a distância, por meio de câmeras, aplicativos de celular e outros
dispositivos eletrônicos. “Estudos mostram que as pessoas tendem a aderir
melhor à atividade física quando se cria um ambiente on-line que favoreça o
suporte social e a interação entre os praticantes.”
Novas
evidências
Dados
divulgados nos últimos meses por empresas que comercializam relógios
inteligentes e aplicativos para monitoramento de atividade física indicam queda
no número de passos diários de seus usuários desde o início do confinamento.
“A
norte-americana Fitbit, por exemplo, apresentou em seu blog, em 22 de março,
dados de 30 milhões de usuários que mostraram uma redução entre 7% e 33% no
número de passos dados por dia. No Brasil, há um levantamento feito pelo
pesquisador Raphael Ritti-Dias pela
internet com mais de 2 mil voluntários. Mais de 60% afirmam ter reduzido seu
nível de atividade física após o início da quarentena”, conta Peçanha. “Essas
ainda são evidências preliminares, mas há estudos em andamento que visam medir
o efeito para a saúde da inatividade física durante a quarentena.”
Uma dessas
iniciativas está sendo conduzida na FM-USP, pelo grupo vinculado ao Projeto
Temático “Reduzindo tempo sedentário em
populações clínicas: o estudo take a stand for health”,
coordenado pelo professor Bruno Gualano, coautor do artigo
publicado no American Journal of Physiology.
“Acompanhamos
alguns grupos clínicos no âmbito do Temático, como mulheres com artrite reumatoide,
pacientes submetidos a cirurgia bariátrica e idosos com comprometimento
cognitivo leve. O objetivo é induzir o aumento da atividade física nessas
populações por meio de ações do cotidiano, como passear com o cachorro ou
descer dois pontos antes ao andar de ônibus, e avaliar os efeitos na saúde”,
conta Peçanha.
Agora,
durante a quarentena, os pesquisadores têm monitorado mais assiduamente o grupo
das mulheres com artrite reumatoide para medir o nível de atividade física e
comparar com o do período anterior ao confinamento. “As pacientes estão usando
acelerômetros [dispositivo que permite medir a atividade física e distância
percorrida pelo indivíduo durante um período de tempo] em casa e ligamos com
frequência para saber como está a qualidade de vida e a nutrição. Um grupo de
pesquisadores vai até a residência para fazer medidas de peso, composição
corporal, pressão e coleta de sangue”, explica.
Metade das
voluntárias será submetida a uma intervenção para estimular a prática de
atividade física em casa. “Vamos mandar metas diárias, cartilhas e
mensagens de texto. Ao final, vamos comparar as diferenças entre os dois
grupos”, conta o pesquisador.
Karina
Toledo
Agência
FAPESP http://agencia.fapesp.br/fique-em-casa-mas-nao-fique-parado-alertam-pesquisadores/33316/
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