Em 1720, um jovem português do Minho, radicado na
região das minas gerais com milhares de outros em busca de uma vida melhor,
indignado com a cobrança abusiva de impostos, incitou uma revolta contra as
chamadas casas de fundição, que obrigavam os mineradores a entregar o ouro para
ser derretido e cobrado o quinto, "quinto dos infernos", como era
comum dizer. Seu nome era Filipe dos Santos e lembramos dele pela forma cruel e
brutal pela qual foi punido pela insolência de levantar a voz contra as
autoridades. Seus braços e pernas foram amarrados a quatro cavalos e seu corpo
foi despedaçado diante do olhar atônito de seus conhecidos da então pequena
vila de Vila Rica. Era o preço da rebeldia, da coragem de dizer que ninguém
fazia nada pelos colonos e que a riqueza que ali se produzia só alimentava a
ambição de poucos enquanto todos os outros ficavam à sua própria sorte. Ou
azar.
Noutra década de 20, agora em 1820, jovens liberais
portugueses amotinaram-se contra a ingerência estrangeira e contra a situação
estranha de serem uma monarquia de rei ausente, já que D. João estava no Brasil
há mais de uma década. O movimento começou na cidade do Porto e se espalhou pelo
pequeno país, instituindo uma Monarquia Parlamentar, constitucional, nos moldes
da Inglaterra. Eram os últimos ecos dos tempos revolucionários europeus, que
tiveram na Revolução Francesa seus melhores dias. A Revolução do Porto, como
ficou conhecida, foi o passo decisivo para o desenrolar de acontecimentos
que levaram o Brasil à independência, pelas mãos do jovem um tanto afoito e
inexperiente D. Pedro de Alcântara.
Mas a mais agitada década de vinte de todas foi a
do século XX. Os jovens dessa época eram empolgadíssimos e queriam mudanças, na
esteira da indústria, dos automóveis, da eletricidade, do crescimento urbano.
Queriam buzinas e fumaça, queriam progresso e queriam ter uma identidade mais
definida de quem somos nós, afinal, os brasileiros. Os inimigos eram os
casacas, os passadistas, os arautos do atraso, com suas políticas de votos
contados e com seus versos de rimas empoladas e sonolentas.
Alguns jovens pegaram em armas e com armas quiseram
desentortar o Brasil. Outros pegaram as penas e com as penas queriam reescrever
o Brasil. De tudo isso ficou a imagem borrada de um país que esquece Filipe dos
Santos, comemora a semana da Pátria achando que D. Pedro era algum tipo de
general e nem sabe que os jovens com armas dos anos vinte foram os que, quarenta
anos depois, tomaram o poder e nos afundaram na mais longa ditadura da
história. Com o apoio de muitos dos rapazes das penas, embora, felizmente, nem
todos.
Em julho de 1925 saiu o primeiro dos três números
da revista modernista mineira, mineiramente chamada apenas de “A Revista”. No
manifesto de abertura, sem assinatura, mas escrito por um já conhecido poeta e
cronista de Itabira que ainda não lançara livros, dizia: “No Brasil, ninguém
quer obedecer (…) Há mil pastores para uma só ovelha. Por isso mesmo, as
paixões ocupam o lugar das ideias, e , em vez de se discutirem princípios,
discutem-se homens. Fulano está no governo, pois então vamos derrubar Fulano! E
zaz! Metralhadoras, canhões, regimentos inteiros em atividade…”
Eram os idos do presidente mineiro Artur Bernardes
e o país vivia o seu mais longo período de Estado de Sítio. Os outros jovens,
os armados, depois de duas tentativas fracassadas, começavam uma marcha pelo
interior tentando levantar o povo contra os casacas, os carcomidos, os passadistas.
O futuro não podia esperar. A Nação precisava ser salva. Por Filipe dos Santos,
por Tiradentes, diziam, empolgados. Acabaram criando gosto por essa coisa de
intervir e colocar ordem e não pararam mais. Filipe dos Santos foi pra galeria
dos “subversivos” e Tiradentes - que era militar - e D. Pedro foram
entronizados na galeria dos “amantes da Pátria”.
O manifesto de Drummond, chamado “Para os céticos”,
termina assim: “Contra esse opressivo estado de coisas é que a mocidade
brasileira procura e deve reagir, utilizando as suas puras reservas de espírito
e coração. Ao Brasil desorientado e neurótico de até agora, oponhamos o Brasil
laborioso e prudente que a civilização está a exigir de nós. Sem vacilação,
como sem ostentação. É uma obra de refinamento interior, que só os meios
pacíficos do jornal, da tribuna e da cátedra poderão veicular. Depois da
destruição do jugo colonial e do jugo escravagista, e do advento da forma
republicana, parecia que nada mais havia a fazer senão cruzar os braços.
Engano. Resta- nos humanizar o Brasil."
É fato que Drummond trabalhou com o ditador Vargas
e deu uns pitacos animados pela deposição de Jango. Não ficou de braços
cruzados. Mas depois teve a dignidade de se redimir. Humanizou-se. Resta o
Brasil.
Daniel Medeiros - doutor
em Educação Histórica e professor no Curso Positivo.
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