“Vocês precisam treinar melhor seus funcionários ”, bradam
os clientes indignados. Esta é uma manifestação muito comum por parte deles
quando recebem um péssimo atendimento. Ou seja, para muitos clientes, o
treinamento resolve os problemas advindos de um atendimento ruim. Será mesmo?
O que é mais interessante, porém, é o fato de que não apenas clientes
pensem assim, mas dirigentes de muitas empresas fazem discursos semelhantes,
achando que um treinamento mais intensivo irá resolver as difíceis situações
que envolvem as relações com os clientes.
Para ilustrar melhor essa questão, quero reproduzir aqui uma
reclamação que saiu em um jornal diário. Ela é bem didática para o que pretendo
discutir. Claro, omitirei nomes verdadeiros, inventando fictícios, tanto da
pessoa, quanto da empresa envolvida. Vamos lá.
“Em 26 de maio, viajei de Florianópolis para São Paulo em um voo da
XYZ Linhas Aéreas. Ao passar pelo check-in, no aeroporto de Florianópolis,
perguntei a um funcionário da companhia se poderia sentar-me ao lado de dois
amigos que estavam no mesmo voo. O rapaz, muito mal-educado, respondeu que o
momento não era propício para a pergunta. Reclamei com a supervisora da XYZ,
que me deu uma folha de papel em branco e pediu que eu registrasse a queixa.
Segui a orientação e coloquei meu telefone no final da carta. Mas, para minha
surpresa, recebi uma ligação do funcionário que reclamei. O rapaz me agrediu
verbalmente e disse que minha queixa o prejudicou. Indignada, enviei um e-mail
à XYZ relatando o ocorrido, mas a empresa disse apenas que o caso foi
encaminhado à supervisão. Lívia Skedrun. Relações Públicas – Capital”.
Vejam a resposta que o jornal obteve da empresa e o comentário da
passageira: “A XYZ Linhas Aéreas informa que investe todos os seus
esforços e finanças para oferecer o melhor treinamento aos seus funcionários. A
companhia afirma que o comportamento do funcionário citado por Lívia Skedrun
não é comum em seu quadro funcional. A empresa acrescenta que já tomou as
medidas cabíveis em relação ao atendente. Lívia Skedrun diz que a XYZ deveria
investir mais no treinamento de seus funcionários para evitar que casos como
esse se repitam”.
Não vou aqui nem me prolongar no fato do funcionário em questão estar
com o telefone da passageira e haver ligado para ela, o que denota uma falha
gravíssima no trato e nos procedimentos quanto às reclamações dos passageiros.
Lamentável!
Notem que curioso. Não apenas a empresas enxerga o
treinamento como base para um atendimento eficaz, mas a própria passageira,
vítima do infortúnio, manifesta e recomenda à empresa que invista mais em treinamento
para que situações como essa voltem a acontecer!
Qual o poder de um treinamento? Treinamento é uma ferramenta de
aprendizado que tem sua eficácia comprovada quando se destina a transmitir um
conhecimento específico ou uma habilidade determinada. Porém, a experiência tem
demonstrado ser pouco eficaz no campo da transmissão de atitudes e de
comportamentos esperados.
Convido o leitor para fazer o seguinte exercício. Vamos supor que em
vez de a nossa passageira Lívia fosse a esposa de um diretor da própria XYZ que
estivesse embarcando e ela fizesse ao funcionário (que sabia antecipadamente
quem era a ilustre passageira à sua frente) a mesma solicitação de mudança de
assento na aeronave, qual você acha que seria a atitude desse funcionário?
Atenderia prontamente e com muita simpatia a solicitação, seria a sua resposta,
não é mesmo? Bem... então o problema não foi de conhecimento e nem de
habilidade de atendimento. O funcionário sabia atender bem. Ele apenas não viu
necessidade dessa prática com a passageira Lívia, ou melhor, ele não quis
atender bem. Então, o problema não está em “saber”, coisa que o treinamento
resolve, mas em “querer”, coisa que o treinamento não resolve.
Essa questão ou diferença é bem sutil, mas é importante o seu
entendimento. Como eu disse, não me importo muito quando os clientes atribuem
às deficiências de treinamento diante de um atendimento ruim, porém me incomoda
muito quando gestores insistem nesse discurso. O problema não está no
treinamento ou na falta dele, mas na forma como as operações que envolvem
clientes são gerenciadas. Algum gestor estava preocupado
quanto a forma com que os passageiros estavam sendo tratados? Se a
passageira não tivesse reclamado, algum gestor teria se importado com as
atitudes do funcionário? Haveria alguma consequência em se atender mal? Um
atendimento nota dez e um nota dois faria diferença para o gestor?
Está evidente que o caso aqui relatado mostra claramente um problema
de gestão e não uma deficiência de treinamento. Quem faz um funcionário “querer”
atender bem é um gestor engajado e comprometido com a excelência em serviços e
que faz o seu papel, não apenas olhando para o resultado final, mas se
importando muito com a forma de como esse resultado está sendo
construído!
Paulo Cesar Silva - consultor de empresas na área de gestão de serviços e
excelência na satisfação do cliente da Mais Cliente. Professor da ESPM, atuou
por mais de vinte anos nas áreas de vendas e marketing em funções gerenciais de
empresas como: Xerox do Brasil, Kodak, Pantanal Linhas Aéreas, etc. Foi aluno e
pesquisador do Núcleo de Análise Interdisciplinar de Política e Estratégia da
USP. Foi vice coordenador do Ciclo de Estudos de Política e Estratégia da
Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra, da qual é membro. É
pós-graduado pela ESPM. Mais informações: http://maiscliente.com.br.
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