Esforços de significação. Para o que este texto pretende
interrogar, diz o Aurélio: “sentimento terno ou ardente de uma pessoa por
outra, e que engloba também atração física”. Conforme o Houaiss: “atração
baseada no desejo sexual”. A segunda definição alicerça o amor no desejo
sexual. A primeira põe o sexo como um agregado, ainda que necessário.
Essas definições não bastam. Amor é mais. É uma química,
e acontece no plural, entre dois. Vontade unilateral não é amor. Sem
correspondência, o anseio amoroso converte-se em rancor, em mágoa que não sara,
em fixação doentia no objeto que se nega ao sujeito desejante.
Não perdura o amor se não houver reciprocidade amorosa.
Mas o desejo recíproco é bastante? Não, não basta. Há que existir, além do
desejo afetuoso do outro, uma química que provoque as ardências, que acenda o
tesão, que não dê por saciado o desejo, mesmo depois de tantos desejos se
saciarem. O amor tem que continuar vontade, ainda que a vontade esteja de corpo
cansado.
Amor também é conflito, pois é relação de poder. Posto o
amor, ele fica grudento e nasce a angústia de controlar. O sujeito que ama quer
presença e controle, quer fazer o outro objeto somente seu, quer submeter o ser
amado às suas exclusivas cobiças. Amor é posse e dominação; é violência para
exercer a possessão. O amor, assim, torna-se ofensivo, mas o ser desejado, já
objetificado, perdido de paixão (o amor em seu estado quente, exaltado),
engana-se e vê ímpeto de posse como afeição.
Amor, ademais, é cultura. É cultura nos jeitos, nos
rituais, até na intimidade. A cultura dita o modo de amar, faz pauta até para
os momentos essenciais. Se as partes não se declaram, se entregam e permanecem
conforme os ditames sociais, não se sentem prestigiadas. As formatações sociais
estabelecem o reconhecimento público do sentimento de amor. Amar de forma
diferente da que se ama em uma circunscrição de lugar e tempo é ofensivo às
expectativas do que está na moda para cumprir o amor.
Amor é uma moral, tem uma ética. Gostamos de brincar com
as quebras da moral amorosa: é quando fazemos malcriação com o amor. E nos
damos licenças por fora da ética da relação: é quando nos sentimos arguciosos
com nosso par. Essas coisas todas acontecem. E essas coisas contaminam, ou
assentam na realidade, as declarações enlevadas que marcam o princípio dos
casos de amor.
Há quem procure pureza no amor. Pode encontrá-la, em
forma de ternura, de cuidado, de inocência, até. Tudo isso compõe o amor. Mas
amor também é bandalheira. Se não houver o conteúdo sacana, se não houver a
fêmea se esfregando, dando-se toda, não haverá amor; se não houver o macho que
saiba lambuzar a fêmea, se não houver pegada, não haverá amor. Amor é carinho,
mas morre sem sexo forte, puto, com pecado. A fêmea quer e quer ser querida; o
macho quer e quer querer.
O amor se realiza no gozo. No meu gozo, o outro é objeto.
No gozo do outro, o objeto sou eu. Se eu não souber fazer do outro o objeto do
meu gozo, nunca saciarei o meu gozar. Se não me deixo ser objeto do gozar do
outro, o outro jamais gozará a sua vontade. No gozo, há oferta e império da
vontade. Cada qual se dá por objeto ou se faz senhor do gozar. No gozo não há
cortesias, há busca de saciedade. É dar-se em uso e usar abusadamente.
Mas há um indescritível no amor. No dizer de Gresiela
Nunes da Rosa, há um não sei. Creio que o amor perdura enquanto não
descrevo o que sinto, enquanto não sei das suas razões. Quando me sei na
relação, quando delineio o outro, já não há amor.
Bem, pode restar
um amor amigo, uma pessoa querida. Quando o caso fica por demais exposto, já
não haverá gosto em seduzir, o tesão ficará arrefecido. Haverá ainda alívio
após o sexo, alívio da minha vontade, mas, já, também, alívio no afastamento.
Quando houver amor assim, companheiro, respeitoso, cansado, será outro tipo de
amor, e o amor mesmo, o amor indefinito, ele já acabou, respeitoso, cansado,
será outro tipo de amor, e o amor mesmo, o amor indefinito, ele já acabou.
Léo Rosa de
Andrade
Doutor em
Direito pela UFSC.
Psicólogo
e Jornalista
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