Deputados, senadores e ministros de Estado, dentre outras
autoridades, só podem ser processados criminalmente no Supremo Tribunal Federal
(STF). Isso se chama foro privilegiado, que é algo absolutamente inconcebível
num Estado republicano onde todos são iguais perante a lei.
Há duas iniciativas contra esse absurdo chamado foro privilegiado.
Um projeto de autoria do senador Álvaro Dias já aprovado no Senado (por 75
votos a zero) e que agora tramita na Câmara dos Deputados e uma questão de
ordem na Ação Penal 937, que está em andamento no STF.
O primeiro extingue o foro privilegiado para todo mundo
(nesse “todo mundo” incluem-se cerca de 45 mil autoridades), ressalvando-se o
presidente e vice-presidente da República e presidentes da Câmara, do Senado e
do STF. A segunda iniciativa restringe o foro privilegiado somente para os
crimes cometidos durante a função e em razão dela.
Na questão de ordem referida, depois de oito votos no
sentido de restringir o foro privilegiado aos crimes cometidos durante e em
razão do cargo ocupado (relator foi o ministro Barroso), o ministro Toffoli
pediu vista do processo, ou seja, retirou-o da pauta. Como o prazo regimental
(duas sessões) já se transcorreu, o pedido de vista se transformou em “perdido
de vista”.
De forma inusitada, Barroso reagiu contra esse tipo de abuso
que consiste numa obstrução individual da decisão colegiada e, mesmo sem a
conclusão final do julgamento, já está mandando seus inquéritos e processos
para a primeira instância.
Um inquérito aberto contra o deputado Beto Mansur, por
exemplo, acaba de ser enviado para a Justiça Federal de Santos, onde o crime de
sonegação fiscal (cometido antes das funções parlamentares) teria ocorrido.
Barroso não esperou o término do julgamento, porque já existem oito votos no
sentido da restrição do foro privilegiado.
Adotando postura semelhante, o ministro Marco Aurélio, por
meio do Estadão, deu 30 dias de prazo
para Toffoli devolver o processo. Se não o fizer, da mesma maneira, vai mandar
todos os seus inquéritos e processos para o primeiro grau, salvo os crimes
cometidos durante e em razão da função.
A atitude inovadora de Barroso e Marco Aurélio, embora sem
expressa previsão legal, é moralizadora e muito acertada. Quando uma maioria no
julgamento colegiado já foi formada, é um absurdo que a vontade de um único
ministro, abusiva (porque já fora do prazo regimental), possa obstruir a vontade
majoritária da Corte.
A preservação no Supremo dos inquéritos e processos que não
são da sua competência só estimula a vergonhosa impunidade daqueles que gozam
de foro privilegiado no nosso País. A busca da certeza do castigo (da eficácia
da lei para todos) justifica o ato rebelde dos ministros insurgentes, que já
não são o juiz natural do caso.
A Procuradora-Geral da República, Raquel Dodge, interpôs
recurso contra a decisão de Barroso, entendendo que os processos devem
“continuar tramitando no STF” até a conclusão final do julgamento. Isso
significa apadrinhar a imoralidade e a ilegalidade do pedido de vista (quando o
processo não é devolvido no prazo regimental) e, ademais, acobertar um ato
ilícito, porque essa demora gera com frequência a prescrição do delito.
A segurança jurídica corre risco não quando se enfrenta um
abuso inconteste, e sim, quando se incrementa a impunidade dos donos corruptos
do poder, que é uma realidade gritante no caso do STF. A sociedade brasileira
já não tolera esse tipo de tratamento privilegiado para a “aristocracia”
delinquente.
LUIZ FLÁVIO GOMES - jurista. Criador do movimento Quero Um
Brasil Ético. Estou no F/luizflaviogomesoficial
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