Dr. Fábio
Peralta, um dos pioneiros na cirurgia fetal no Brasil, revelou no 1°
Simpósio HCor e Rede Gestar de Cardiologia e Terapêutica Invasiva Fetal -
encontro com 160 médicos e profissionais da saúde - que falta treinamento
de ultrassonografistas para diagnosticar malformações no feto durante a
gestação.
Dos 2.816.952 nascimentos previstos para 2017 no
Brasil, 290 mil crianças vão nascer com malformações congênitas. Os números
alarmantes foram apresentados, durante o 1° Simpósio HCor e Rede Gestar de
Cardiologia e Terapêutica Invasiva Fetal, pelo dr. Fábio Peralta, médico
obstetra especializado em medicina fetal (fetólogo), cirurgião-chefe da Gestar
Centro de Medicina Fetal e do Hcor. "Muitas dessas malformações podem
ser diagnosticadas e tratadas intraútero, ainda durante a gestação, mas faltam
centros de atendimento, falta treinamento dos profissionais da saúde para
rastrear esses problemas. A maioria dessas malformações já podem ser
diagnosticadas no exame de ultrassom no 1º trimestre", revelou o
especialista.
Dos principais casos que poderiam evitar a
mortalidade neonatal, segundo Peralta, está a Síndrome da Transfusão Feto-Fetal
(STFF), que pode ocorrer nas gestações gemelares quando os dois fetos dividem a
mesma placenta. A malformação ocorre em 1 caso de cada 3.500 nascimentos. Em
2016, houve 830 casos, englobando 1.660 fetos. O tratamento é feito ainda no
ventre da mãe com a cauterização de vasos sanguíneos. Dos casos não tratados,
apenas 25% dos fetos sobrevivem. "Porém, com o tratamento a laser, a
sobrevida aumenta para os dois gêmeos em aproximadamente 70% dos casos. O Hcor
atendeu, no ano passado, 3,6% dos problemas. Se todos os centros de saúde
passassem a atender o sistema público, a taxa de sobrevida dos não tratados
subiria para 33,7%", analisou.
Outro problema, que ocorre em 1 a cada 4.000
nascidos, é a Hérnia Diafragmática Congênita (HDC), que é um orifício no
diafragma pelo qual os órgãos sobem para o tórax. Para Peralta, o diagnóstico
pode ser feito na ultrassonografia de primeiro trimestre. "Quanto mais
cedo o caso for rastreado, mais chances o bebê terá de sobreviver. Se não
tratado a possibilidade de sobrevida é nenhuma", alerta o médico. "O
tratamento, com oclusão da válvula traqueal, aumenta a sobrevida em 45%. Só
que, além do Hcor, somente outros dois centros atendem o paciente proveniente
do SUS", garantiu.
Já a Mieolomeningocele, também conhecida como
Espinha Bífida, que atinge 1 em cada 1.000 nascidos, ocorreu em 2.900 gestações
no ano de 2016. O rastreamento pode ser feito já na 12ª semana de gestação e a
intervenção cirúrgica pode ocorrer a partir da 19ª semana de gravidez. "A
qualidade de vida dessa criança aumenta em 40% com a cirurgia fetal. Se todos
os centros médicos atendessem essa patologia, os problemas seriam reduzidos de
80% para 77% dos casos", explicou Peralta.
As cardiopatias, que ocorrem em 5 em cada 1.000
nascimentos, também poderiam ser detectadas com o ultrassom de primeiro
trimestre. "Ocorreram 14.500 casos em 2016", lamentou Fábio Peralta.
"Desses, 1.160 estavam elegíveis a uma intervenção antes do parto",
complementou.
Para o médico, "o rastreamento correto com o
ultrassom, no primeiro trimestre da gestação, permite suspeitar de metade das
malformações que o feto pode ter. É uma questão de perícia, respeito à vida e
dedicação do médico ao seu trabalho social", finalizou Peralta, em sua exposição
a uma plateia de 160 profissionais da saúde, presentes no auditório do Hcor.
Quatro ultrassons
Durante a gestação são necessários, em média,
quatro ultrassonografias. O primeiro exame deve ser realizado entre a 7ª e 8ª
semana de gravidez, preferencialmente pela via transvaginal e permite datar a
gestação, verificar as doenças fetais, os prognósticos da gestação e os fatores
de riscos durante a gravidez. O segundo ultrassom, chamado Translucência Nucal,
deve ser feito entre a 11ª e 14ª semana de gravidez e visa avaliar de o bebê
ter Síndrome de Down. Já na terceira visita, realiza-se o ultrassom morfológico
de segundo trimestre, que deve ser feito entre a 18ª e 24ª semana de gravidez,
para avaliar a anatomia do feto. Finalmente, no terceiro trimestre, na 34ª
semana, é feito o ultrassom para avaliar o crescimento fetal.
Além desses, na metade da gestação, é realizado o
ultrassom com Doppler, para determinar se a gestação é de alto risco e se
precisa de assistência específica. Os principais fatores de riscos são as
doenças de aparecimento durante a gravidez, como diabetes, pré-eclâmpsia e
parto prematuro. "Esses problemas vão interferir na evolução do feto
também. A função do fetólogo é checar a normalidade da gestação, investigar
doenças fetais e, se possível, tratar o feto e a gestante", informa dr. Fábio
Peralta.
Cirurgia fetal
Com a medicina fetal surgiram os procedimentos
cirúrgicos intrauterinos que, atualmente, são realizados para operar o feto,
seja por meio de técnicas endoscópicas minimamente invasivas ou por cirurgias
abertas.
Estudos demonstram que, antes da medicina fetal, 30% das gestações eram mal sucedidas,
principalmente, nos casos de malformação. "Hoje, conseguimos sucesso na
maioria dos problemas, que podem ser tratados ainda no útero por meio de
cirurgia fetal. Já existem várias malformações que são tratáveis, como Hérnia
Diafragmática Congênita, Transfusão Feto-fetal, Mielomeningolece, cardiopatias,
cujas intervenções precoces melhoram o prognóstico de vida do bebê",
revela o fetólogo.
Infelizmente, no Brasil, nem todos têm acesso aos
benefícios da medicina fetal. "Poucos centros públicos de saúde oferecem o
mesmo sistema da rede privada. Somente, aqueles ligados a grandes universidades
têm condições de oferecer serviços similares. Com isso, muitos pacientes do SUS
ficam sem o tratamento mais avançado", lamenta o médico que também atende
pelo HCor.
Patologias tratáveis com medicina fetal:
Hérnia Diafragmática Congênita (HDC): É um defeito que ocorre na formação do feto,
quando o diafragma não fecha completamente e, através da abertura, os órgãos do
abdômen, como intestino, fígado e estômago, sobem para o tórax e impedem o
desenvolvimento do pulmão. Nos casos de HDC grave, a malformação pode ser
corrigida com uma cirurgia fetal (oclusão traqueal endoscópica fetal - a
colocação de um pequeno balão na traqueia do bebê por via endoscópica),
realizada geralmente entre 24 e 28 semanas de gravidez.
Síndrome de Transfusão Feto-Fetal (STFF): É uma complicação rara, que pode ocorrer na
gravidez de gêmeos que compartilham a mesma placenta. É diagnosticada por meio
da diferente quantidade de líquido amniótico entre as duas bolsas dos dois
fetos. O tratamento consiste em uma intervenção cirúrgica, minimamente
invasiva, na qual é feita uma coagulação a laser dos vasos sanguíneos,
impedindo o desequilíbrio na circulação de ambos os fetos. Após a realização do
procedimento, já se pode perceber o restabelecimento do equilíbrio hemodinâmico
entre os fetos. O tratamento é feito no final do segundo e no início do
terceiro trimestre de gestação.
Mielomeningocele ou espinha bífida: É uma malformação na coluna do feto, que deixa
exposta a medula espinhal e as raízes nervosas, levando a inúmeras alterações
neurológicas. Hoje já existem comprovações científicas que, em determinada
situações, o tratamento intrauterino apresenta melhores resultados do que o
tratamento após o nascimento. Existem diferentes técnicas para a correção da
espinha bífida durante a gravidez. A técnica mais utilizada mundialmente
consiste em um procedimento feito por meio de uma pequena incisão de 2,5 cm no
útero, através da qual os neurocirurgiões corrigem a mielomeningocele fetal com
o auxílio de microscópios de alta resolução.
Cardiopatias fetais: Por meio do ecocardiograma fetal, que é uma
ultrassonografia para avaliar o coração do bebê, é possível um diagnóstico
precoce de cardiopatias fetais. Alguns bebês com cardiopatias específicas
podem ser tratados ainda dentro do útero. Outros necessitarão de nascer em uma
maternidade especializada para acolher os bebês cardiopatas.
Fábio Peralta - ginecologista, obstetra e cirurgião Fetal,
graduado em medicina e residência médica em ginecologia e obstetrícia pela
Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP, pós-graduado pela Universidade
de São Paulo e pós-doutorado em medicina fetal no King's College Hospital -
Universidade de Londres. Foi um dos pioneiros das cirurgias fetais no Brasil.
Atualmente é médico responsável pela cirurgia fetal no Hospital do Coração de
São Paulo (HCor); Hospital São Luiz, Cetrus e na Gestar Centro de Medicina
Fetal. Coordena o programa de pós-graduação (lato sensu) em medicina fetal do
Cetrus em São Paulo.
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