Fomos tomados de surpresa com a Medida
Provisória (MP) 746/2016 de 22 de setembro. O Ensino Médio precisa de uma
reformulação e ela vem em boa hora. Não se pode negar que, como traz a revista Veja neste domingo, “Os
educadores concordam que não tem mais propósito fazer o aluno acumular cultura
enciclopédica numa era em que o conhecimento está na internet a um clique de
distância”.
A revista complementa com a voz do físico
Andreas Schleicher da OCDE que reúne países desenvolvidos: “O que o jovem
precisa é saber juntar as peças disponíveis e formular ideias”. Mas sabemos que
isto é mais do que tornar o sistema atrativo para os estudantes como afirma a
revista.
O assunto é complexo e extremamente relevante,
conecta-se com outras legislações, com instituições públicas e privadas,
demanda ampla discussão. Muito ainda parece indefinido e caberá aos sistemas de
ensino, aos Estados e Municípios fazer suas escolhas em um processo de
flexibilização que é saudável. Entretanto, de imediato é possível notar alguns
aspectos que demandam grande atenção:
Sobre as verbas para a educação.
O Secretário de Educação do Estado de São Paulo
José Renato Nalini (mestre e doutor em Direito Constitucional), afirmou em
matéria publicada no jornal O Estado de São Paulo em 24/09, que deve usar
espaços de escolas privadas: “Vamos poder usar recurso (espaço) de escolas privadas.
O Sistema S (formado por Senai
e Sesc, entre outros), então, vamos aproveitar tudo”.
Usar recursos é bom, mas para onde iriam as
verbas? Parece haver uma brecha para que todas as escolas que se adequarem ao
sistema possam receber verba pública. Verbas para a iniciativa privada? E as
escolas públicas continuariam com a precariedade em que se encontram?
Sobre os novos percursos formativos dos
estudantes:
Trabalhar por áreas é uma solução interessante mas dizem que a gritaria geral
contrária é corporativista. Será? Vejamos. Para o referido Secretário, na mesma
matéria já citada: “É impossível falar de literatura sem falar em arte. Isso
leva você até a despertar a imaginação quando faz uma descrição, enxergando um
quadro, por exemplo”.
Literatura é uma das linguagens artísticas, mas
a literatura como o Teatro, a Dança, a Música e as Artes Visuais fazem mais do
que descrever um quadro. Os jovens vivem imersos no mundo de imagens e não
podem ser meros consumidores acríticos. A visão interdisciplinar há de ser
construída por um coletivo de professores especialistas e não basta dizer que
“pode estar integrada até nas ciências exatas ” como quer Maria Helena
Guimarães de Castro, secretária executiva do MEC em matéria da Folha de São
Paulo de 25/09.
A dimensão estética amplia a compreensão do
mundo e provoca o pensamento criador e sensível necessário para qualquer área
do conhecimento, mas exige um docente com formação específica e tempo
curricular para isso.
Sobre a profissão docente. É desalentador o que
se vê como perspectiva. O SESI, por exemplo, oferece um Curso de Graduação em
Linguagens. Em seu site é possível descobrir que em 4 anos, além de outras
funções, “O licenciado em Linguagens estará preparado para atuar como professor
de Língua Portuguesa, Língua Inglesa e Artes, nos anos finais do Ensino
Fundamental e no Ensino Médio”.
Há cursos para todas as áreas. Fácil assim... E
já foi autorizado e publicado no Diário Oficial da União do dia 18 de agosto de
2015. Em quatro anos seria possível habilitar um profissional com conhecimentos
tão específicos? Por outro lado, em relação ao ensino profissionalizante quem
avaliará o “notório saber”? Haverá alguma formação específica emergencial?
A MP não foi um bom início, mas desvela que
tudo estava engendrado há muito tempo. Menos é mais? Ainda lidamos mais com
conteúdos do que com conceitos, mais com objetivos do que propostas que os
permitam acontecer... A MP atacou com vara curta e impulsiona o repensar a
educação e a profissão docente. E exige de cada um de nós, educadores,
cidadãos, bem como de nossos secretários de educação muita atenção,
sensibilidade, inteligência e tempo para aprofundar os detalhes importantes que
parecem apenas esboçados.
Mirian
Celeste Martins - professora no programa de Pós-graduação em Educação, Arte e História da
cultura da Universidade Presbiteriana Mackenzie e está disponível para
entrevistas.
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