O perfil do paciente traumatizado
na cidade de São Paulo tem características diferentes de outras cidades, pois
as vítimas de armas de fogo se concentram em hospitais da periferia, enquanto
as vítimas de acidentes automobilísticos se concentram mais nos hospitais mais
centrais da cidade
Cerca de um terço dos pacientes
atendidos no Pronto-Socorro da Ortopedia do Hospital das Clínicas da Faculdade
de Medicina da Universidade de São Paulo foram vítimas de acidentes de
trânsito, que são a maior causa de atendimentos neste serviço, superando as
vítimas de queda e com número muito maior que os feridos por arma de fogo.
A maior parte das vítimas do
trânsito era motociclista, jovem e do sexo masculino.
Essas são as principais conclusões
de um estudo apresentado pelo ortopedista
Caio Gonçalves de Souza (CRM-SP 87.701), médico do Hospital das Clínicas de São
Paulo, durante o XXVI Congresso
Internacional Trienal da SICOT combinado com o 46º Congresso Brasileiro de
Ortopedia e Traumatologia - CBOT,
na cidade do Rio de Janeiro, entre os 19 e 22 de novembro de 2014. (Para
conferir a apresentação do médico, acesse o link: http://pt.slideshare.net/saudeossea/apresentao-cbot-2014-dr-caio).
Segundo Caio G. Souza, “o objetivo
do trabalho foi analisar o perfil dos pacientes atendidos no Pronto-Socorro da
Ortopedia do Hospital, com enfoque principalmente nas vítimas de acidente
automobilístico. Queríamos confirmar a importância das vítimas de acidentes
automobilísticos neste Pronto-Socorro, localizado próximo à área central da
cidade de São Paulo, e analisar principalmente os dados referentes aos
motociclistas, para que com esses dados pudéssemos alertar as autoridades
governamentais sobre este importante problema de saúde pública na nossa cidade”.
Para chegar a essas conclusões, o
médico analisou dados dos prontuários de todos os pacientes atendidos no
Pronto-Socorro da Ortopedia do Hospital das Clínicas de São Paulo entre os dias
01°de janeiro de 2011 e 30 de abril de 2014. Só foram computados os pacientes
que foram internados após o atendimento inicial, ou seja, os pacientes mais
graves, totalizando 6.037 vítimas. Os dados coletados foram o gênero, a idade e
a causa do trauma. Devido ao grande número de pacientes analisados, alguns
dados como tempo de internação e necessidade de intervenção cirúrgica não foram
coletados.
“Após a reunião dessas informações, os dados
coletados foram colocados em planilhas mensais e os pacientes foram
subdivididos em grupos, de acordo com a causa do trauma. Os dados analisados
foram o total de pacientes atendidos por mês, ano e no total, além da
porcentagem de pacientes vítimas de acidente de carro, moto, atropelamento,
queda e ferimento por arma de fogo. Dentro destes grupos foi analisado o
percentual por gênero, foi calculada a média etária e a amplitude da faixa
etária foi demonstrada através das idades mínimas e máximas de cada um destes
subgrupos”, explica Caio G. Souza, que também é professor de Ortopedia
da Faculdade de Medicina na Uninove.
Principais
resultados
As vítimas de acidente de trânsito neste
período foram responsáveis por 32,71% dos atendimentos do Pronto-Socorro,
superando até mesmo os atendimentos devidos a quedas, com 29,83%. Os
atendimentos devido a ferimentos por arma de fogo chegaram somente a 0,83%.
Dentro do grupo de vítimas do trânsito, a motocicleta foi responsável pela
maior parte dos acidentes.
Tabela 1
“Houve uma predominância marcante dos
traumas no sexo masculino, sendo que este foi mais importante nas vítimas de
acidentes de moto e de bicicleta. Nas vítimas de atropelamento, os pacientes do
sexo masculino tiveram seu percentual mais baixo, mesmo assim, atingiram dois
terços dos casos. Como comparação, a causa de trauma com maior porcentagem do
sexo masculino foram as vítimas de armas de fogo, com 94,00% de homens”,
explica o ortopedista.
Tabela 2
Em relação à faixa etária, os pacientes
mais jovens foram justamente os motociclistas, com uma média etária um pouco
mais baixa que a dos usuários de carros. “O padrão etário dos motociclistas se
assemelha muito com o das vítimas de armas de fogo, mostrando que os dois
grupos tem muitas semelhanças na sua epidemiologia. A maior média etária ficou
com o grupo dos atropelados. Estes últimos, porém, tiveram a maior amplitude na
faixa etária, fato este que levou a um aumento da média. Chama a atenção o fato
de muitas vítimas de atropelamento serem menores de idade ou pessoas idosas”,
alerta o médico.
Tabela 3
Importância
do estudo
“O perfil do paciente traumatizado na
cidade de São Paulo tem características diferentes de outras cidades, pois as
vítimas de armas de fogo se concentram em hospitais da periferia, enquanto as
vítimas de acidentes automobilísticos se concentram mais nos hospitais mais
centrais da cidade”, diz Caio G. Souza.
No Brasil, as vítimas vulneráveis
do trânsito (pedestres, ciclistas e motociclistas) são responsáveis por 66,6%
dos casos, em comparação a 50% dos casos no resto do mundo, devido
principalmente aos traumas nos motociclistas. “No nosso serviço esta porcentagem
foi de 87,85%, principalmente devido às internações por acidente com moto
(60,66%). Apesar de sempre considerarmos os acidentes de trânsito como um
episódio fortuito, não intencional, trabalhos científicos recentes mostram que
uma boa parte destes traumas poderia ser evitada, através de ações como
melhorias nas vias públicas e nas sinalizações, melhor mapeamento dos pontos
com maior índice de acidentes e mudanças na legislação. Alguns estudiosos
defendem que para evitar que estes acidentados evoluam para o óbito, o país
precisa investir em mais leitos hospitalares para internação, mais centros de
atendimento de urgência e mais lugares de reabilitação”, explica o ortopedista.
“Levantar os dados de atendimento
hospitalar nos grandes centros é fundamental para conhecermos a epidemiologia
deste tipo de trauma. Isto pode ajudar a mostrar ao governo que o investimento
em ações que evitem o trauma automobilístico é menos oneroso que ter que tratar
e reabilitar as vítimas destes traumas. Outros países, como a Suécia, Estados
Unidos, México e outros países europeus, já implementaram este ponto de vista,
conhecido como ‘Visão Zero’, que diz não ser eticamente aceitável que alguém
morra ou fique ferido enquanto se desloca pelo sistema rodoviário. Em alguns
destes locais, o índice de redução dos acidentes automobilísticos chegou a 50%,
mesmo com o aumento da motorização no trânsito local”, defende Caio G. Souza.
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