Um incêndio na
madrugada do último dia 8 de fevereiro deixou 10 mortos e três feridos no Ninho
do Urubu, o Centro de Treinamento do Flamengo, na Zona Oeste do Rio. Os mortos
tiveram abruptamente interrompidos seus sonhos, suas esperanças de um futuro
melhor por uma fatalidade.
No entanto, uma questão há que ser
analisada, foi de fato uma fatalidade ou negligência dos representantes do
Clube de Regatas Flamengo que permitiram que adolescentes de 14 e 15 anos, em
sua grande maioria carentes, que tinham no futebol a "luz no fim do túnel",
a chance de deixar a vida miserável e possibilitar algo de bom para seus
familiares, morassem em alojamentos inapropriados, verdadeiros conteiners, como uma
boiada confinada?
No transcorrer dos dias que se
sucederam a trágica sexta-feira, com as investigações iniciadas pela polícia
técnica do Rio de Janeiro foi possível depreender que o local em que os jovens
jogadores do sub-15 dormiam, sequer constavam do projeto encaminhado a
municipalidade da capital fluminense.
Inequivocamente era uma obra irregular,
o que demonstra o absoluto descaso dos dirigentes do Flamengo com suas
categorias de base. Ultrapassada essa retórica toda, cabe aqui um
questionamento quanto a responsabilidade criminal dos dirigentes do clube.
Agiram com culpa consciente ou dolo eventual?
A culpa consciente, segundo Juarez
Cirino dos Santos, "caracteriza-se,
no nível intelectual, pela representação da possível produção do resultado da
possível produção do resultado típico e, no nível da atitude emocional por
confiar na ausência ou evitação desse resultado, pela habilidade, atenção ou
cuidado na realização concreta da ação". Ou seja, sabe que
pode ocorrer o resultado, mas acredita que pode evitá-lo com suas habilidades e
cuidados.
Por outro lado, dolo eventual, para o
mesmo criminalista paranaense, "caracteriza-se,
no nível intelectual, por levar a sério a possível produção do resultado típico
e, no nível da atividade emocional, por conformar-se com a eventual produção
desse resultado". Portanto, tem consciência do risco, embora
não o queira, mas conforma-se com a ocorrência do resultado constante no tipo
penal.
Cotejando-se
os conceitos legais com os fatos apurados até esse momento nas investigações
deflagradas pela polícia técnica fluminense, não há como, ao menos em tese, deixar
de atribuir aos dirigentes do Clube de Regatas Flamengo a conduta dolosa, por
alguns indícios sérios. O local era um "caixote" – estilo contêiner,
coberto com telhas com vedação térmica e preenchido com material acústico,
altamente inflamável e tóxico, não tinha licença municipal para tal uso.
Destarte, ao menos em uma análise
primária, pautada nos primeiros elementos trazidos ao conhecimento público pela
polícia técnica, que está presente o dolo eventual na espécie, uma vez que
sabiam do risco e conformaram-se com a eventual produção do resultado.
Mas nada disso trará esses jovens de
volta, nada disso restabelecerá os sonhos manietados precocemente, porém
não podemos compactuar mais com situações como essas, em que pessoas são
tratadas como mercadorias, preparadas para serem vendidas, como verdadeiros
animais para o abate! Precisamos sim, encontrar e apontar os culpados por mais
essa tragédia. E fazer com que suas punições, sejam quais for, sirvam de exemplo
para que outros meninos, outros brasileiros não tenham seus sonhos e caminhos
interrompidos. A impunidade não pode continuar.
Marcelo Aith - especialista em Direito Criminal e Direito Público
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