Relações entre três ou mais pessoas, se
reconhecidas, poderão gerar efeitos perante terceiros, como em relação a
filhos, previdência social e empresas privadas
Iniciada
no final de abril, a discussão em torno da possibilidade de que tabelionatos de
notas lavrem escrituras de uniões poliafetivas com efeitos de direito de
família, sucessórios, previdenciários, entre outros, voltará à pauta do
Conselho Nacional de Justiça (CNJ) nos próximos dias.
Polêmicos,
esses documentos permitiriam que três ou mais pessoas tivessem suas uniões
reconhecidas legalmente, permitindo aos membros do chamado "trisal"
direitos como pensão alimentícia em caso de separação, pensão por morte ou,
ainda, direito à herança de um dos participantes do "trisal".
Especialista
em direito de família e presidente da ADFAS (Associação de Direito de Família e
das Sucessões), a advogada Regina Beatriz Tavares da Silva aponta os pontos
negativos de uma autorização a que os Tabelionatos de Notas lavrem essas
escrituras de reconhecimento de relações poligâmicas como uniões estáveis.
"As
uniões estáveis, que se equiparam ao casamento, são sempre monogâmicas para
terem efeitos de direito de família, sucessórios e previdenciários, sejam
heterossexuais, sejam homoafetivas. Escrituras públicas de 'trisais' como entidades
familiares são ilegais porque violam o comando constitucional da monogamia nas
uniões estáveis, além de não ser moral, ética e socialmente aceitáveis",
explica.
A
advogada pontua ainda que essas escrituras, por não serem meramente
declaratórias, mas também constitutivas de direitos, onerarão a Previdência
Social e poderão obrigar empresas privadas, como planos de saúde, a aceitar
todos os integrantes desses arranjos como membros/dependentes, além de causar
intenso sofrimento aos filhos nascidos durante essas relações, que segundo as
escrituras, serão registrados em nome de todos os participantes da relação
poligâmica.
Salienta,
assim, Regina Beatriz, que as escrituras não são somente declaratórias, mas,
têm natureza constitutiva de direitos entre os participantes e perante
terceiros, como filhos, entes públicos e empresas privadas.
"Pode-se
imaginar a grave ofensa à dignidade dessa criança, que crescerá com o estigma
de ter três, quatro, cinco ou mais pais e mães? Nossa sociedade não aceita a
poligamia e não existe suporte em nosso ordenamento jurídico para a atribuição
de efeitos de direito de família a esse tipo de relação".
Além
destes prejuízos, a especialista em direito de família chama a atenção para o
risco que esses modelos de relações representam para a busca das mulheres pela
igualdade no casamento. Segundo essas escrituras, o homem é o único chefe do
grupo.
O
que são as tais uniões poliafetivas?
Nas
uniões poliafetivas, a relação é composta por três ou mais integrantes, sendo o
número de participantes ilimitado.
No
Brasil, a questão começou a ganhar visibilidade em 2016, quando duas Tabeliãs
de Notas lavraram escrituras de uniões poliafetivas em São Paulo e no Rio de
Janeiro, reconhecendo efeitos a esses relacionamentos.
Os
primeiros documentos aprovados davam direito aos casais respaldo jurídico em
caso de ruptura do relacionamento e permitiam ainda que os filhos nascidos
destas uniões fossem registrados como filhos de todos os membros do grupo.
Atualmente,
há recomendação liminar do CNJ a que os Tabelionatos de Notas não lavrem essas
escrituras, o que ocorreu por meio de decisão da Ministra Nancy Andrighi quando
era Corregedora Nacional de Justiça, após o Conselho Nacional de Justiça
receber o pedido de providências da ADFAS.
O
Ministro Otávio Noronha, Corregedor Geral de Justiça já proferiu voto, na
primeira sessão de julgamento do CNJ, deferindo o pedido de providências da
ADFAS.
O
julgamento terá continuidade em próxima sessão do CNJ.