As chamadas grasslands estão ameaçadas em todo o
planeta, alerta um grupo internacional de pesquisadores na revista Nature
Reviews Earth & Environment. Solução envolve restauração e busca de
alternativas de exploração econômica sustentáveis (trecho de Cerrado na
Chapada Guimarães; foto: Wikimedia Commons)
Pesquisadores de vários países
trabalharam cinco anos para produzir um quadro abrangente da situação atual das
chamadas grasslands – termo em inglês que designa os biomas
formados por campos e savanas, quase todos seriamente ameaçados pela degradação
ambiental. Os estudos locais foram complementados por dois workshops
presenciais e intensa troca de e-mails entre os cientistas envolvidos.
O resultado foi o artigo Combatting global grassland
degradation, publicado na revista Nature Reviews Earth & Environment com a
assinatura de estudiosos do Reino Unido, França, Alemanha, Suíça, China, Índia
e Brasil.
“As grasslands estão
ameaçadas em todo o planeta, mas os processos de degradação diferem de região
para região. O maior problema é a conversão desses biomas em áreas
agriculturáveis. Um exemplo é o Cerrado brasileiro, no qual a vegetação
original, extremamente rica em biodiversidade, vem sendo suprimida para dar
lugar a grandes plantações de soja, cana, eucalipto etc.”, diz à Agência FAPESP a brasileira Giselda Durigan,
que participou da iniciativa.
Durigan
integra a equipe do Instituto de Pesquisas Ambientais do Estado de São Paulo e
é professora em programas de pós-graduação da Universidade Estadual Paulista
(Unesp) e da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Sua pesquisa de longa
data sobre o Cerrado contou com vários apoios da FAPESP.
Na época em que foi iniciado o estudo
em pauta, ela tinha dois projetos em curso financiados pela Fundação: “Impacto de fatores antrópicos
(fogo, agricultura e pastoreio) sobre a biodiversidade em savanas”
e “Invasão do campo cerrado por braquiária (Urochloa decumbens):
perdas de diversidade e experimentação de técnicas de restauração” .
“Outra
forma de degradação é a exploração à exaustão dos campos e savanas. É o que vem
ocorrendo em boa parte do continente africano. Devido à superexploração, o
bioma original perde sua capacidade de produzir, sua biodiversidade e seus
serviços ecossistêmicos”, acrescenta a pesquisadora.
O
agravante, segundo Durigan, é que pouca gente se importa com a degradação ou a
perda desses biomas. Pode-se dizer que são “invisíveis” para a maioria das
pessoas, que associam a ideia de ecossistemas naturais à presença de árvores.
“O desconhecimento é tanto que, no
Brasil, nem sequer temos uma boa tradução para o termo grassland. Se colocarmos a palavra no Google Tradutor
ou em outros dicionários inglês-português impressos ou disponíveis na internet,
obteremos como resultado o termo ‘pastagem’. Faz até algum sentido, porque,
grosseiramente, são enquadrados como grasslands todos
os ecossistemas do planeta onde existem capins que os animais pastadores possam
comer. Mas a palavra resultante é muito vaga”, comenta a pesquisadora.
No Brasil, estão entre as grasslands o Pampa, os campos de altitude no alto
das serras, boa parte do Pantanal e praticamente todo o Cerrado – exceto o
chamado “Cerradão”, que, na verdade, é um tipo de floresta empobrecida. Em
síntese, estão entre as grasslands todos
os campos e savanas naturais que dominam alguns de nossos principais biomas
(Pampa, Cerrado e Pantanal). Mas elas podem ocorrer, também, como “ilhas” em
meio às vegetações da Amazônia, da Caatinga e da Mata Atlântica.
“A proposta de nosso estudo e do
artigo publicado foi mostrar a importância das grasslands em
termos de biodiversidade e serviços ecossistêmicos. E apontar caminhos para
cessar a degradação e promover a conservação e o uso sustentável dos campos e
savanas em todo o planeta. Por isso o professor Richard Bardgett,
da Universidade de Manchester, no Reino Unido, que liderou o projeto, procurou
reunir pesquisadores de diferentes países. A representatividade era importante
para que encontrássemos uma abordagem que fizesse sentido em escala global”,
conta Durigan.
Soluções
As
diretrizes apontadas pelo artigo, para que tudo isso resulte em políticas
públicas realmente eficazes, são, em primeiro lugar, definir indicadores
adequados, que possibilitem avaliar o nível de degradação e que possam ser bem
compreendidos e adotados globalmente. Feito isso, desenvolver e disseminar
técnicas de restauração ecologicamente efetivas e economicamente viáveis que
atendam os diferentes interesses da sociedade. Finalmente, encontrar
alternativas de exploração sustentáveis, que possibilitem utilizar
economicamente esses ecossistemas sem degradá-los.
“Os campos e savanas são essenciais
não só pelos serviços ecossistêmicos de proteção à água, aos solos e à
biodiversidade, mas também pela provisão de alimentos e outros produtos
essenciais para a vida das pessoas em diferentes regiões do mundo. O caminho
para a conservação das grasslands não
é a exclusão das pessoas. Existem povos cuja existência e cultura são
totalmente dependentes desses ecossistemas. E as necessidades e visões desses
grupos precisam ser contempladas”, pondera Durigan.
A questão,
segundo a pesquisadora, é definir diferentes “níveis” de restauração, que
possam ser aceitos, desenvolvidos e postos em prática pelos vários atores
envolvidos no tema. Isso vai desde a simples recuperação da produtividade de
pastagens naturais degradadas pela superexploração até a completa restauração
de ecossistemas complexos. Cada coisa no seu lugar. As iniciativas
bem-sucedidas, que são muito raras, precisam ser amplamente compartilhadas para
que possam ser replicadas.
Esse
conjunto de providências é especialmente urgente no Brasil, onde a degradação e
a devastação vêm ocorrendo em ritmo acelerado. Grandes porções dos Pampas estão
se convertendo em plantações de eucalipto para a produção de celulose. O
ressecamento do Pantanal, em função da crise climática, tende a fazer com que
vastas áreas, antes alagáveis, sejam convertidas em lavouras de soja. E o
Cerrado, que constitui a savana mais biodiversa do planeta, já perdeu metade de
seu território para a agricultura em larga escala.
“Há perdas
irreversíveis no Cerrado. Uma coisa é recuperar um bioma degradado pelo
sobrepastoreio. Outra é restaurar uma área que foi alterada pela agricultura a
ponto de perder todas as suas características originais. Quando o capim nativo
foi substituído pela braquiária, de origem africana, isso constituiu um grande
impacto. Mas, ainda assim, muita diversidade se manteve, em flora e fauna.
Porém, o pecuarista tradicional vem cedendo lugar ao grande agricultor. Com
máquinas que cortam as raízes em profundidade e herbicidas poderosos que deixam
o solo completamente limpo, não sobra nada do Cerrado que existia antes”,
enfatiza Durigan.
Como foi divulgado em outra reportagem da Agência FAPESP, além da perda de biodiversidade e da
destruição da paisagem, um eventual colapso do Cerrado pode ocasionar um
impacto hídrico de consequências incalculáveis. Pois alguns dos mais
importantes rios do Brasil – o Xingu, o Tocantins, o Araguaia, o São Francisco,
o Parnaíba, o Gurupi, o Jequitinhonha, o Paraná, o Paraguai, entre outros –
nascem nesse bioma.
“Preservar
e utilizar de forma criteriosa o que resta e restaurar ao menos parcialmente o
que se perdeu, ainda que isso possa constituir um enorme desafio científico,
tecnológico e político, é fundamental para a sobrevivência desses rios, não
apenas como manancial de água doce, mas também potencial hidrelétrico”, conclui
a pesquisadora.
O artigo Combatting global grassland degradation pode ser
acessado em: www.nature.com/articles/s43017-021-00207-2.
José Tadeu
Arantes
Agência
FAPESP
https://agencia.fapesp.br/estudo-aponta-diretrizes-para-barrar-a-degradacao-acelerada-de-campos-e-savanas/37089/