A nova CPI da Petrobras,
instalada na Câmara dos Deputados em 26/2/15, pode até surpreender e fazer um
bom trabalho investigativo (do humano tudo podemos esperar), mas tem tudo para
rebaixar ainda mais os já aviltados padrões da política "bananeira",
porque já nasce corrompida. Ela poderia iniciar o processo de libertação do
Brasil submetido ao jugo de uma repugnante cleptocracia (Estado
"governado" por ladrões poderosos do mundo político, empresarial e
financeiro), mas é mais provável que venha comprovar a sua inexpugnável força.
H. M. (PMDB), seu presidente, teve 60% de sua última campanha pagas com
recursos das empresas que ele deve investigar. L. S. (PT), relator dos
trabalhos, recebeu dessas mesmas empresas 40% de seus gastos eleitorais em
2014. Vários outros membros da CPI também foram beneficiados com dinheiro da
mesma origem criminosa (com aparência de legalidade, consoante o maleável e
conivente sistema eleitoral pátrio). O mais triste é saber que nenhum deles foi
escolhido por acaso. Porque o acaso não existe no gerenciamento das organizações
criminosas, como a destapada pela Operação Lava Jato.
As
CPIs têm sido um desastre quando escaladas para apurar crimes da cleptocracia
brasileira (caso da empreiteira Delta, por exemplo). Não se pode nunca esperar
boa coisa da farinha do mesmo saco. É decepcionante constatar que qualquer
resultado positivo delas (muito raro nos últimos tempos) não representa
independência e honestidade parlamentares, raios éticos em busca de um Brasil
decente, senão a quebra da omertà (lei do silêncio, que rege a
postura dos membros das grandes máfias). A cleptocracia brasileira é composta
de uma grande rede de criminosos mafializados que se protegem com a mesma
intensidade da volúpia com que perseguem lucros privados nas pilhagens do
patrimônio público. As delações premiadas recentes constituem rachaduras nas
estruturas dessa rede de proteção e de parasitismo.
Se
a nova CPI não aprovar, logo nas primeiras sessões, a quebra dos sigilos de
todos os agentes partidários e empreiteiras envolvidos no escândalo da
Petrobras (Operação Lava Jato), ficará muito evidente (desde logo) que mais uma
foi instalada para um jogo de cartas marcadas, voltado para proteger
os corruptos e não os eleitores, a cleptocracia, não a democracia cidadã. O que
se espera é que a nova CPI não faça como a anterior, que no dia 5/11/14
protagonizou uma das maiores evidências da roubalheira nacional: PT e PSDB
fizeram um "acordão" para não quebrarem o sigilo das empreiteiras que
financiaram bem como dos apadrinhados que gestionaram os dinheiros das
campanhas.
No
mesmo dia em que Aécio Neves (PSDB) discursava no Senado em nome de uma nova
oposição "incansável, inquebrantável e intransigente", o PSDB firmava
acordo com o "inimigo" PT para a proteção dos seus apaniguados e
"patrões", confirmando a tradição de que basta um político falar em
"moralizar" o país, e o tropeço vem logo em seguida. O PSDB "queimou
a largada", disse a jornalista Dora Kramer, que completou: "foi feita
uma "melação premiada", para evitar que a verdade da corrupção na
Petrobras fosse descoberta; a oposição discursa cobrando investigação, mas
quando há o risco de que os seus [seus companheiros ou seus financiadores] sejam
envolvidos, dá o dito por não dito e embarca na operação abafa". O
verdadeiro inimigo do povo, como se vê, é o sistema pouco visível espoliador e
criminoso e integrado por praticamente todos os partidos políticos, grandes
empreiteiras e potentes agentes financeiros.
A
mesma jornalista (Dora Kramer) recordou que "O PSDB já havia padecido
desse mal quando, em 2005, por ocasião da CPI dos Correios, não teve uma
posição contundente quando se descobriu que o então presidente do partido,
Eduardo Azeredo, usara o esquema de Marcos Valério [mensalão mineiro do PSDB]
na tentativa de se reeleger em 1998. Os tucanos arrefeceram os ânimos e pagam o
preço até hoje". E o que dizer da CPI do Carlinhos Cachoeira? Que foi
aquilo? Começaram a investigar de verdade e, de repente, meio mundo
empresarial, financeiro e político estava envolvido. Outro "acordão"
entre PT, PSDB e PMDB arquivou a CPI rapidinho, num documento final de 2
páginas (os norte-americanos dizem que há bancos que são muito grandes para
quebrar; no Brasil diríamos: há escândalos que são muito grandes para serem
revelados e investigados). Em 2010, a propósito, Sérgio Guerra teria recebido
R$ 10 milhões para "arquivar" outra CPI da Petrobras.
O
Brasil é um país favorecido pela natureza como nenhum outro, mas vive flertando
com o abismo e o suicídio (Mino Carta) em razão da natureza cleptocrata das
lideranças nacionais favorecidas, que chegaram aonde chegaram em virtude da
"servidão voluntária" da outra parte da nação. Até quando durará essa
servidão voluntária, tão bem descrita por Boétie (Discurso da servidão
voluntária: 38)?
"Pessoas miseráveis,
povos insensatos, nações obstinadas no próprio mal e cegas quando se trata da
própria felicidade! Deixais que se apossem diante de vossos olhos da parte
melhor e mais segura de vossas rendas, pilhem vossos campos, roubem e despojem
vossas casas dos objetos de vossos antepassados! Viveis de tal maneira que não
podeis gabar-vos de que algo vos pertence. Parece que olhais agora como sorte
grande que vos deixaram apenas metade de vossos bens, de vossa família e até de
vossa vida. E todo esse prejuízo, toda essa desgraça, toda essa ruína não vêm
dos inimigos, mas certamente de um inimigo [o sistema explorador],
daquele mesmo que fizestes tão grande como ele é, daquele por quem fostes tão
corajosamente à guerra, e para a grandeza do qual não vos recusastes a
oferecer-vos a vós mesmos à morte" (Boétie).
Luiz
Flávio Gomes - Jurista e Professor