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quinta-feira, 27 de novembro de 2025

A diversidade no espectro autista

Na última semana, uma frase do apresentador Marcos Mion gerou opiniões conflitantes na Internet com a frase: "tenho pena de quem não tem um filho autista". Independentemente do contexto que ele quis dar com sua fala, o fato que a frase oportunizou o debate sobre a pluralidade quando o assunto é autismo. E como a sociedade criou um estereótipo que acaba impedindo que a informação sobre a condição chegue de forma completa e ampla para todos. Pensando nisso, a neuropsicóloga Bárbara Calmeto traz abaixo uma reflexão sobre a importância de falar sobre autistas validando a diversidade no espectro. O que acha de uma pauta sobre isso?

 

Autismo além do estereótipo: por que representatividade importa 

Durante décadas, a imagem mais difundida sobre o autismo nos meios de comunicação foi a do menino branco, tímido, muito inteligente e pertencente a uma família de classe média alta. A força desse estereótipo é tamanha que, até hoje, muitas pessoas acreditam que esse recorte representa a maioria dos autistas. No entanto, ao observar a realidade clínica, social e cotidiana, vemos um cenário profundamente mais amplo, diverso e complexo. "O espectro autista é composto por mulheres, homens, pessoas não binárias, adultos, idosos, crianças, pessoas negras, indígenas, pobres, ricas, pessoas altamente verbais, pessoas que não conseguem se comunicar, estudantes, trabalhadores, artistas, cientistas e tantos outros perfis que raramente aparecem na mídia. Essa falta de representatividade tem impactos reais, que vão desde dificuldades de diagnóstico até invisibilidade social", destaca a neuropsicóloga Bárbara Calmeto, diretora do Autonomia Instituto.  

Para compreender por que ainda se fala tão pouco sobre essa pluralidade e como isso afeta a construção do olhar coletivo sobre o autismo, a neuropsicóloga Bárbara Calmeto, diretora do Autonoma Instituto, que se dedica há anos ao estudo e ao atendimento de pessoas neurodivergentes, explica que a forma como o autismo é representado influencia diretamente a forma como a sociedade identifica, compreende e acolhe pessoas autistas. “Quando as pessoas pensam apenas no estereótipo do garoto extremamente inteligente e solitário, elas deixam de reconhecer o autismo em quem não se encaixa nesse molde. Isso faz com que muitos adultos, especialmente mulheres, cheguem ao diagnóstico muito tarde, depois de uma vida inteira tentando justificar suas dificuldades”, afirma. Bárbara explica que as mulheres autistas, por exemplo, tendem a ser subdiagnosticadas devido a estratégias de camuflagem social e porque raramente se veem representadas nas narrativas públicas sobre o espectro. Além disso, grupos inteiros de autistas permanecem invisíveis, como pessoas não verbais, pessoas com deficiência intelectual associada, pessoas negras e pessoas em situação de vulnerabilidade social. A falta de representatividade cria a falsa sensação de que essas experiências são exceções, quando, na verdade, elas compõem o espectro tanto quanto qualquer outra. 

Bárbara reforça que o autismo não é uma fotografia única; é uma coleção de histórias. Ela destaca a importância de que revistas, programas, filmes, influenciadores e instituições escutem vozes autistas diversas, permitindo que diferentes formas de existir ganhem espaço. “A sociedade costuma esperar que o autista seja um gênio da tecnologia ou um menino com interesses muito específicos. Quando encontramos uma mulher autista que é artista, ou um adulto não verbal que se comunica por dispositivos alternativos, ou um idoso que só recebeu diagnóstico depois dos 70 anos, percebemos que o espectro é muito maior, muito mais vivo e muito mais humano do que a imagem tradicional sugere”, diz. 

Para a neuropsicóloga, ampliar a representatividade vai além de corrigir uma falha histórica e é também uma estratégia fundamental de inclusão. A diversidade dentro do espectro abre espaço para que famílias reconheçam sinais com mais precisão, para que profissionais ajustem suas expectativas e práticas clínicas, e para que políticas públicas contemplem a realidade de grupos que sempre estiveram à margem. “Quando damos visibilidade a diferentes perfis autistas, estamos dizendo a essas pessoas que elas existem, que suas vivências importam e que há um lugar para elas no debate social”, completa. 

Bárbara também lembra que a representatividade não se faz apenas por meio de especialistas, mas principalmente por meio de autistas falando sobre si mesmos. É ouvindo suas experiências, plurais, contraditórias, potentes, que a sociedade pode substituir o estereótipo pelas pessoas reais. O Autonoma Instituto tem investido em iniciativas que estimulam autistas de diferentes idades, gêneros e perfis a compartilharem suas histórias, justamente para ampliar o repertório coletivo sobre o que significa ser autista. 

Ao final, a mensagem da neuropsicóloga é: o autismo não tem rosto único. Quanto mais a sociedade olhar para todas as nuances do espectro, mais conseguiremos construir espaços verdadeiramente inclusivos, informados e respeitosos. Falar de representatividade no autismo não é sobre tendência ou correção política; é sobre reconhecer a humanidade em toda a sua amplitude e garantir que ninguém fique de fora dela.


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