Médico pós-graduado em Neurologia, estuda os efeitos desse tipo de protocolo para o tratamento eficaz do TEPT, um dos transtornos mais comuns entre eles
No Brasil há cerca de 47,5 milhões de pessoas
envolvidas em atividades de cuidados, sendo a maioria não remunerada, segundo
dados da Pesquisa Nacional sobre Trabalho Doméstico e de Cuidados Remunerados,
feita pelo Instituto de Pesquisas Aplicadas (IPEA). Elas desempenham funções de
cuidado com idosos ou pessoas com alguma limitação física ou intelectual. Grande
parte dessas pessoas — em sua maioria mulheres entre 40 e 60 anos — realiza
esse trabalho sem qualquer remuneração, acumulando responsabilidades domésticas
e, muitas vezes, profissionais — são familiares diretos, que enfrentam desafios
como o esgotamento físico e emocional, dificuldades financeiras e a falta de
suporte do sistema público de saúde.
De acordo com Lucas Cury, médico pós-graduado em
Neurologia, os cuidadores lidam com uma rotina desgastante, o que acaba
tornando-os negligentes com a própria saúde. “São longas horas dedicadas ao
cuidado, sem descanso adequado, com uma forte concentração de
responsabilidades, pressão constante de lidar com a doença e com as
necessidades da pessoa cuidada, além da falta de contato social e negligência
com a própria saúde. Tudo isso são gatilhos perigosos para o desenvolvimento de
problemas como depressão, ansiedade e Transtornos de Estresse Pós-Traumático
(TEPT)”.
Cuidar de quem cuida
Para o médico, os cuidadores representam uma
população frequentemente invisibilizada, que também precisa ser amparada. “Ao
colocarem as necessidades do outro sempre em primeiro plano, muitos acabam se
esquecendo de si mesmos. Isso gera sentimentos de exaustão, tristeza e
frustração. Há casos em que abriram mão da própria vida profissional, da rotina
e dos vínculos sociais para se dedicarem integralmente a alguém — e fazem isso
sozinhos, sem apoio familiar ou rede de suporte”, observa.
Cury relata que esse cenário é comum em sua prática
clínica. “Atendo um paciente de 75 anos que costuma dizer que, desde os 30, não
vive — apenas sobrevive. Ele cuida da filha com paralisia cerebral, já adulta,
e agora lida com o diagnóstico recente de câncer dela. São pessoas que carregam
o mundo nas costas e, muitas vezes, desmoronam silenciosamente. Precisam ser
acolhidas antes de perderem as próprias forças.”
Na avaliação dele, o cuidado com quem cuida é também
uma forma de garantir qualidade no atendimento prestado. “Se o cuidador adoece
emocionalmente, isso afeta diretamente o bem-estar da pessoa assistida. Cuidar
do cuidador é uma etapa essencial da cadeia de cuidado”, conclui.
Medicamentos e novas terapias: o alívio possível para quem
cuida
Diante do desgaste emocional e psicológico extremo,
muitos cuidadores que enfrentam transtornos como depressão ou TEPT (Transtorno
de Estresse Pós-Traumático) recorrem a medicamentos controlados para conseguir
manter a rotina. São remédios que atenuam a dor emocional e ajudam a seguir em
frente — ainda que, muitas vezes, não tratem a origem do sofrimento. “Eles
anestesiam o sentir, mas não oferecem solução real para o trauma”, observa o
médico e pesquisador que há anos estuda alternativas terapêuticas com uso de
psicodélicos.
Segundo ele, substâncias como MDMA
(3,4-metilenodioximetanfetamina) e psilocibina têm se mostrado eficazes, quando
associadas à psicoterapia no tratamento de quadros graves e persistentes. “A
depressão é como um labirinto com o chão cheio de espinhos. Os medicamentos
tradicionais amenizam as dores, enquanto os psicodélicos possibilitam que o
paciente encontre a saída. É uma abordagem diferente que traz importantes
avanços no tratamento”, afirma.
Embora ainda cercadas de polêmicas, as terapias
assistidas com psicodélicos vêm ganhando respaldo na comunidade científica.
Estudos demonstram benefícios concretos, especialmente em casos resistentes aos
tratamentos convencionais. Mas, como alerta Cury, essas substâncias não são
“curas mágicas”. “O MDMA, por exemplo, atua quebrando padrões neurais
repetitivos — verdadeiras amarras que mantêm o paciente preso a ciclos de dor
emocional. Ele permite uma espécie de reciclagem da rede cerebral, criando
espaço para um novo olhar sobre o trauma.”
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