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sábado, 1 de fevereiro de 2025

Saudade: a dor que revela o Amor e a Esperança do reencontro


Para conceituar o sentimento de saudade, palavra única, profunda e repleta de significados, duas questões fundamentais precisam ser consideradas. A primeira é que os seres humanos são, por natureza, sociais. Ao longo de suas experiências de vida, desenvolvem vínculos afetivos com pessoas, objetos, animais de estimação, lugares e épocas. Esses laços não se perdem com o passar do tempo; permanecem arquivados nas profundezas da memória e são trazidos à consciência sempre que algo os evoca. Assim, a saudade desafia o Princípio da Impermanência, que postula que tudo é transitório, passageiro e mutável como parte do processo evolutivo da vida. 

A segunda questão está ligada à incompletude humana. Os seres humanos nascem faltantes, incompletos e buscam a completude (se é que a alcançam) ao longo da vida. Essa busca por preencher o vazio que é inerente à condição humana. Quando os laços afetivos são rompidos por circunstâncias da vida, surge, na dimensão emocional, um sentimento singular: a saudade. Ela manifesta-se como tristeza, melancolia, nostalgia, sofrimento e, por vezes, revolta – uma tentativa de suprir a ausência que se faz presente. 

As canções frequentemente tentam consolar corações saudosos: 
"Ainda ontem chorei de saudade, relendo a carta..."
"Saudade, palavra triste, quando se perde um grande amor..."

Apesar da dor, a saudade também alimenta a esperança de um possível reencontro. Quando se procura "matar a saudade", o abraço momentâneo parece aliviar o vazio. Porém, essa sensação é efêmera, e a saudade inevitavelmente ressuscita, trazendo novamente o peso da ausência. 

A maior dor da saudade é sentida por quem perde um ente querido. Esse luto, inevitável experiência humana, transcende a melancolia. O martírio da separação é, com o tempo, amenizado pela aceitação da realidade – aquilo que acontece independentemente de nossa vontade. Ainda assim, o vazio permanece, e a saudade cresce, dia após dia, de forma interminável. 

A dor do adeus, especialmente na perda de um filho, é talvez a maior de todas. Estudos indicam que o sofrimento de uma mãe ao perder um filho foge à lógica da vida, pois rompe a ordem natural das coisas. Nesse contexto, aqueles que estão fora do drama tentam consolar com frases como "o tempo fará esquecer". Mas, talvez, não seja bom que o tempo apague.  

Sofrer de saudade é carregar a lembrança de uma separação eterna. Contudo, essa dor é também uma prova de que existiu amor, carinho e afeto por alguém que iluminou a vida. Que se tenha, então, gratidão pelo tempo vivido ao lado daqueles que partiram para o "outro lado da rua da vida", numa dimensão invisível aos sentidos humanos. 

Que a saudade seja transformada em uma alquimia de aprendizado e crescimento. Que o sofrimento se torne um caminho necessário para o aprimoramento pessoal, a expansão da mente e a conexão com dimensões espirituais, onde, quem sabe, um reencontro possa acontecer. Para muitos, essa esperança é o que torna a vida suportável. 

Que vivamos suavemente, recordando o bom e o belo que vivemos, os encantos que os encontros nos proporcionaram. Sofremos de saudade, porque tivemos a dádiva de viver experiências significativas. Como escreveu Casimiro de Abreu, em “Meus oito anos”: “Oh! Que saudades que tenho da aurora da minha vida, da minha infância querida que os anos não trazem mais!...” 

Que se pense sobre isso e, acima de tudo, que se valorize o privilégio de ter sentido saudade




Ivo Carraro - professor, psicólogo e coordenador do centro de atendimento psicológico (CAP) do Grupo Uninter.

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