Para conceituar o sentimento de saudade, palavra única,
profunda e repleta de significados, duas questões fundamentais precisam ser
consideradas. A primeira é que os seres humanos são, por natureza, sociais. Ao
longo de suas experiências de vida, desenvolvem vínculos afetivos com pessoas,
objetos, animais de estimação, lugares e épocas. Esses laços não se perdem com
o passar do tempo; permanecem arquivados nas profundezas da memória e são
trazidos à consciência sempre que algo os evoca. Assim, a saudade desafia o
Princípio da Impermanência, que postula que tudo é transitório, passageiro e
mutável como parte do processo evolutivo da vida.
A segunda questão está ligada à incompletude
humana. Os seres humanos nascem faltantes, incompletos e buscam a completude
(se é que a alcançam) ao longo da vida. Essa busca por preencher o vazio que é
inerente à condição humana. Quando os laços afetivos são rompidos por
circunstâncias da vida, surge, na dimensão emocional, um sentimento singular: a saudade. Ela manifesta-se
como tristeza, melancolia, nostalgia, sofrimento e, por vezes, revolta – uma
tentativa de suprir a ausência que se faz presente.
As canções frequentemente tentam consolar corações
saudosos:
"Ainda ontem chorei de saudade, relendo a
carta...";
"Saudade, palavra triste, quando se perde um
grande amor...".
Apesar da dor, a saudade também alimenta a esperança de um possível
reencontro. Quando se procura "matar a saudade", o abraço momentâneo
parece aliviar o vazio. Porém, essa sensação é efêmera, e a saudade
inevitavelmente ressuscita, trazendo novamente o peso da ausência.
A maior dor da saudade é sentida por quem perde um
ente querido. Esse luto, inevitável experiência humana, transcende a
melancolia. O martírio da separação é, com o tempo, amenizado pela aceitação da
realidade – aquilo que acontece independentemente de nossa vontade. Ainda
assim, o vazio permanece, e a saudade cresce, dia após dia, de forma
interminável.
A dor do adeus, especialmente na perda de um filho,
é talvez a maior de todas. Estudos indicam que o sofrimento de uma mãe ao
perder um filho foge à lógica da vida, pois rompe a ordem natural das coisas.
Nesse contexto, aqueles que estão fora do drama tentam consolar com frases como
"o tempo fará esquecer". Mas, talvez, não seja bom que o tempo
apague.
Sofrer de saudade é carregar a
lembrança de uma separação eterna. Contudo, essa dor é também uma prova de que existiu
amor, carinho e afeto por alguém que iluminou a
vida. Que se tenha, então, gratidão pelo tempo vivido ao
lado daqueles que partiram para o "outro lado da rua da vida", numa
dimensão invisível aos sentidos humanos.
Que a saudade seja transformada em
uma alquimia de aprendizado e crescimento. Que o sofrimento se torne um caminho
necessário para o aprimoramento pessoal, a expansão da mente e a conexão com
dimensões espirituais, onde, quem sabe, um reencontro possa acontecer. Para muitos,
essa esperança é o que torna a vida
suportável.
Que vivamos suavemente, recordando o bom e o belo
que vivemos, os encantos que os encontros nos proporcionaram. Sofremos de
saudade, porque tivemos a dádiva de viver experiências significativas. Como
escreveu Casimiro de Abreu, em “Meus oito anos”: “Oh! Que saudades que tenho da
aurora da minha vida, da minha infância querida que os anos não trazem
mais!...”
Que se pense sobre isso e, acima de tudo, que se
valorize o privilégio de ter sentido saudade.
Ivo Carraro - professor, psicólogo e coordenador do centro de atendimento psicológico (CAP) do Grupo Uninter.
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