O Nosso Cérebro é
uma máquina de detectar padrões. Nosso senso de orientação depende disso. Isso
pode ser percebido na hora que acordamos em uma cama ou local diferente do
habitual: a primeira reação pode ser a de pânico, de onde estou? Imediatamente,
começamos a reconstituir a memória do dia anterior, para descobrir onde estamos
na hora de acordar. Uma comédia famosa: “Se Beber, não Case”, é exatamente
sobre isso, com amigos que acordam de uma bebedeira na despedida de solteiro de
um deles; um está sem o dente, outro com uma tatuagem desconhecida e tem um
tigre na sala. Eles investigam o que aconteceu e onde está o noivo, de
preferência, antes do casamento.
Como uma máquina
que detecta padrões, nossa rotina, nosso dia a dia, servem como orientação e
apaziguamento de uma sensação que está no fundo de nossas experiências, que é a
Insegurança. Somos e devemos ser inseguros porque nosso Cérebro é programado
pela natureza para preservar a vida e passar adiante nossos genes. Insegurança
é o que permite um escaneamento do ambiente para evitar ser atacado. E achar
comida. Se der para arrumar um namoro, melhor ainda. Um autor muito importante,
John Bowlby, descreveu padrões de vínculo que já se manifestam na vida dos
bebês. Para não estender o tema, digamos que os vínculos seguem dois padrões:
crianças com vínculos Inseguros e Seguros. Eu diria vínculos (mal traduzidos
para o Português como Apegos em décadas passadas) Inseguros e Menos Inseguros.
Porque a Insegurança nos constitui e está em nosso DNA. Mas o Cérebro que
cresce em ambiente mais enriquecido, afetivo e com regras definidas tende a ter
uma relação mais segura com o mundo exterior. Isso não depende só do ambiente,
mas da base genética também. O fato é que, quanto maior a sensação de
insegurança, maior a dificuldade em se lidar com a vida, que é sempre mutável.
Lisa Miller,
psicóloga e neurocientista de Yale, grita em todas as direções que a perda do
senso de espiritualidade, ou mesmo onde falar de espiritualidade, no ambiente
acadêmico ou leigo, imediatamente levanta a ideia que você é um carola ou
fundamentalista, como um aiatolá disfarçado de cientista. Ela vai mais longe a
fala que o banimento da ideia da espiritualidade no debate público vem
aumentando nas pessoas a sensação de isolamento e de falta de sentido. Eu
anoto, nos meus prontuários, que eu espero que só eu leia, alguns casos em que
o paciente sofre de uma Patologia de Sentido, em que a sensação de falta de
caminho, de descolamento do mundo e de falta de algo que dê sentido, está muito
vinculado a uma evolução pior da sua doença, seja um quadro ansioso, seja uma
depressão, seja a perda de um ente querido. A sensação de desconexão está na
base do que se chama hoje de “Doenças do Desespero”, como Depressão,
Dependência Química e mesmo Suicídio.
Somos bombardeados
pela necessidade permanente de Aquisição, e essa pode ser a maior doença do
Capitalismo, que é a Ânsia de Aquisição. Em artigo anterior, sobre José
Datrino, o Profeta Gentileza, mencionei a história desse homem, de origem muito
simples, que ouviu um chamado espiritual nos anos sessenta e dedicou a sua vida
a pregar a necessidade de amor e de gentileza nas ruas, nas praças. Numa
entrevista, ele mencionou que ninguém mais amava ninguém, só queriam tirar
vantagem e usar uns aos outros. Ganhou muito escárnio e algumas internações
psiquiátricas, quando alguém achou que suas “vozes espirituais” era uma
Psicose. O que ele descreveu, entretanto, é uma doença coletiva, de tentar ter
mais, ganhar mais. Essa doença foi piorada pelas redes sociais, em que o que
vale é a foto, não a vivência. E, nas fotos, se eu postar um prato bacana, um
carrão ou uma viagem exótica, então isso significa que minha vida é válida, e
que eu estou na frente na corrida da aquisição.
Lisa Miller tem
razão, ao meu ver, quando associa essa epidemia coletiva de medo, insegurança e
mesmo de desespero à perda dessa sensação coletiva de pertencer e ser protegido
por um grupo e um sistema de valores que nos proteja do egoísmo e isolamento
digital em que vivemos.
Carl Jung,
psiquiatra suíço e fundador da Psicologia Analítica, descreveu o Inconsciente
Coletivo, uma camada do Inconsciente à qual todos pertencemos. Essa sensação de
fazer parte da comunidade coletiva que dá uma sensação de pertencer. E uma
sensação de regularidade do mundo. E de vínculo seguro. Estamos todos
conectados nele, e não sabemos.
Nossa crise de
significado está afetando as pessoas e suas transições na vida. Muitas vezes,
com consequências desastrosas. Precisamos tirar a espiritualidade do Index de
assuntos proibidos. Para ajudar o planeta e as pessoas que nele habitam.
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