As negociações coletivas receberam pela reforma trabalhista, em 2017, maior liberdade em fixar os conteúdos das normas que seriam observadas pelas empresas do setor econômico e que deveriam ser aplicadas aos empregados das respectivas categorias profissionais.
Entretanto, a permissão legal deve encontrar
limites que, aos poucos, a Justiça do Trabalho, quase sempre por iniciativa do
Ministério Público do Trabalho, vem balizando os abusos nelas previstos.
As negociações coletivas dizem respeito à
consolidação de normas aplicáveis ao conteúdo específico das relações de
trabalho e dos direitos dos trabalhadores na relação contratual de trabalho.
Então elas devem observar os limites do contrato de
trabalho e jamais ampliar seu campo de aplicação para aquelas disposições
consideradas de política de estado com objetivos sociais e que apenas ao estado
cumpre sua atuação tutelar.
Limites
Existem duas situações recentes julgadas pelo
Tribunal Superior do Trabalho que espelham de modo claro tais limites.
Assim, o primeiro, refere-se à negociação com
objetivo de flexibilizar a base de cálculo de cotas legais, de aprendizes e
trabalhadores com deficiência e o segundo refere-se à possibilidade de fixar
por norma coletiva o desconto de banco de horas negativo por ocasião da
rescisão contratual.
Para o primeiro caso, quanto a flexibilização das
cotas, pretenderam os sindicatos negociadores que somente os trabalhadores
administrativos fossem considerados para os fins de cálculo das cotas previstas
nos artigos 428 e seguintes da CLT e no artigo 93, da Lei nº 8213/91.
O site do TST publicou a notícia em 3/4/2024, da
Subseção II Especializada em Dissídios Individuais (SDI-2) que restabeleceu
decisão que havia proibido sindicatos dos setores de asseio e conservação e de
segurança privada de Santa Catarina de fazer instrumentos coletivos que
flexibilizam a base de cálculo das cotas legais de aprendizagem e de pessoas
com deficiências (Processo ROT-549-88.2019.5.12.0000).
O fundamento refere-se ao artigo 611-B da CLT que
considera ilícito e, portanto, impõe limites à negociação coletiva que proíbe a
prática de discriminação e de medidas de proteção legal de crianças e
adolescentes e que, no caso, os sindicatos teriam mitigado as cotas legais,
contrariando a proibição legal cujo escopo é de proteger os destinatários e não
estabelecer discriminação no cumprimento de cotas.
Trata-se de exemplo de cláusula abusiva que
exorbita o campo de aplicação das negociações coletivas cujo debate de
aprovação em assembleia de trabalhadores gera suspeição, inclusive.
O ministro Dezena da Silva, relator do caso,
observa que não se trataria de anulação de cláusula, “mas de caráter
inibitório, isto é, de impor aos entes sindicais a obrigação de não mitigar a
base de cálculo das cotas legais por meio da negociação coletiva”.
Já o segundo caso, que trata da permissão de
desconto salarial de banco de horas negativo, o TST publicou em seu site, no
dia 1º de abril, em decisão da 2ª Turma, manteve a norma coletiva que permite o
desconto de banco de horas negativo ao final de cada período de 12 meses ou nas
verbas rescisórias em caso de pedido de demissão ou rescisão por justa causa
por não se tratar de direito indisponível assegurado pela Constituição (RR-116-23.2015.5.09.0513).
O voto da relatora, ministra Maria Helena Mallmann,
observou que a jurisprudência do STF e aplicou o Tema 1.046 que se refere a
limitação de direitos absolutamente indisponíveis previstos na Constituição.
Acentuou a relatora que “A instituição de “banco de
horas” com a possibilidade de desconto do tempo injustificadamente não
trabalhado ao final de cada período de 12 meses ou nas verbas rescisórias em
casos de pedido de demissão ou dispensa por justa causa não é incompatível com
a Constituição, tratado internacional ou norma de medicina e segurança do
trabalho.
Aliás, ao menos em regra, a norma autônoma em
questão oferece ao trabalhador a chance de compensar no período de 12 meses as
faltas e atrasos antes do desconto em folha de pagamento, regime mais benéfico
do que aquele estabelecido no artigo 58, §1º, da CLT.
Frise-se que não há registro de qualquer
comportamento malicioso do empregador no sentido de surpreender seus empregados
ocultando-lhes o saldo negativo do “banco de horas” ou impedindo-lhes
dolosamente a compensação do débito.”
Portanto, duas intervenções do TST em matéria de
negociações coletivas de conteúdo diverso, sendo uma de caráter proibitivo na
sua flexibilização por se tratar de matéria atinente a obrigação do estado na
proteção de trabalhadores menores aprendizes e com deficiência e outra norma de
caráter interno das relações trabalhistas, demonstrando que as negociações
coletivas enfrentam limites no campo de sua aplicação.
Paulo Sergio João - advogado e
professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP)
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