“A
infância é um chão que pisamos a vida inteira”, disse a escritora gaúcha Lya
Luft. Arrisco acrescentar que a adolescência também o é. O que vivemos entre os
10 e os 19 anos – período que compreende essa fase tão singular da vida, de
acordo com a Organização Mundial da Saúde, a OMS – tende a nos acompanhar, para
o bem e para o mal, por nossa jornada. Alegrias, tristezas, paixões, saudades,
aventuras, decepções, tombos, vitórias, tudo parece ser mais intenso.
Agora, com a aproximação do 7 de abril, Dia Mundial da Saúde e Dia Nacional de Combate ao Bullying, me pego pensando que determinadas violências causam impactos ainda mais devastadores quando as vítimas não são adultas, ou seja, estão física, emocional e socialmente mais vulneráveis. Segundo dados da Pesquisa Nacional de Saúde Escolar, a PeNSE, passa de 40% o percentual de estudantes adolescentes em território nacional que relataram, ao Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, o IBGE, já ter sofrido repetidas provocações e intimidações de outras pessoas.
Os
números crescem assustadoramente neste que é um dos países com maiores índices
de violência escolar: em 2009, os meninos e as meninas vítimas de bullying
contabilizados totalizavam 30,9%; dez anos depois, 40,3%. Entre os estudantes
do sexo masculino de 13 a 17 anos, faixa etária abarcada pela pesquisa, os que
afirmaram conhecer as veredas sinuosas do bullying foram de 32% para 35,4%;
entre as do sexo feminino, o salto foi de 28,8% para 45,1%.
Estamos
diante de um grave problema de saúde pública, carentes de ações mais eficazes
para proteger a juventude brasileira e promover ambientes acolhedores nas
casas, escolas e ruas. Nesse contexto, dada a abrangência de nossa atuação, que
engloba cuidados de saúde mental nas comunidades atendidas, nós, profissionais
da Medicina de Família e Comunidade, desempenhamos papel essencial.
O
caráter holístico da MFC nos permite exceder o tratamento das doenças físicas,
escutar de maneira integrada, resolutiva e humanizada o que se passa com quem
nos procura, e identificar as necessidades emocionais dos pacientes, sejam eles
e elas as vítimas ou os “bullies”, agressores. É vital lembrar, a propósito, que
uma mente em desequilíbrio afeta o sistema imunológico, perturbando as defesas
do organismo; o endócrino, fazendo subir ou cair a produção de determinados
hormônios; e o nervoso, interferindo na produção de neurotoxinas, substâncias
ligadas a doenças como Parkinson e Alzheimer.
Integrando
saberes e práticas, ao lado de pais, responsáveis, educadores, comunidades
escolares e representantes políticos, podemos avançar no combate às violências
e estabelecer diálogos com os adolescentes. Mais do que uma questão de
comportamento individual, estudiosos sublinham que o bullying é reflexo de
problemas mais amplos, como racismo, machismo, elitismo e capacitismo, por
exemplo. Por isso, debater equidade e justiça social, valorizando o
desenvolvimento de uma cultura de paz no seio das famílias e das instituições
de ensino é o primeiro passo para criar ambientes onde a “rapaziada” se sinta
mais segura, respeitada e valorizada.
Embora
leis como a Federal n°13.185/2015 - que institui o “Programa de Combate à
Intimidação Sistemática” e determina os objetivos do programa de combate e
prevenção ao bullying, incluindo capacitação de docentes, criação de campanhas
educativas e assistência psicológica a envolvidos - represente um avanço em
termos de políticas públicas, a mudança ainda caminha a passos lentos. É tempo
de abrir as janelas dos olhos e ouvidos e identificar casos que muitas vezes
ninguém enxerga.
Zeliete Zambon - presidente da Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade
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