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sábado, 19 de setembro de 2020

O papel do negociador quando o divórcio é inevitável

Negociar em conflitos familiares não é tarefa fácil, mas talvez seja a mais recompensadora de todas. Relações familiares são complexas assim como as

questões inerentes a esse vínculo importante. É uma contingência onde as discussões são as variadas e as motivações emocionais nem sempre são
óbvias. Nessa seara, a complexidade é diretamente proporcional a satisfação.

Queremos entender esse caldeirão composto por consanguinidade, emoções e faltas expressas através dos conflitos. Sob esse alicerce podemos tornar o processo da separação mais macio, menos traumático e eficiente para a perpetuação do vínculo, independente do contexto.

E por que essa preocupação? Porque as famílias precisarão encontrar um ponto de equilíbrio para manter a convivência pacífica. Isso só será possível através da composição habilidosa de interesses pessoais e coletivos no tecido delicado deste grupo. E isso não inclui apenas o casal, mas a família estendida, os amigos e, principalmente as crianças.

Imagine-se você, como uma criança de 5 anos de idade, que teve a presença de seus pais reforçando laços de afetividade e proteção. De forma abrupta, passa a presenciar suas figuras de apego no travamento de batalhas cuja objetivo central não é claro nem para eles próprios. O seu mundo se torna sensível e vulnerável, mostrando que aquele ambiente de proteção não existe mais. Se o conflito for recorrente, trará consequências diretas na sensação de apego seguro dessa criança, o que influenciará na estruturação da sua personalidade. Essa é apenas uma entre tantas outras consequências irreparáveis para a família em toda a sua rede.

A empatia aguçada é a ferramenta primordial para que possamos compreender a necessidade por trás do conflito. Esse é o primeiro passo para qualquer negociação, especialmente as familiares. É um movimento sutil e consistente de um bom advogado que compila técnicas de variadas áreas para viabilizar a conciliação. Entender as faltas faz com que possamos ser cirúrgicos no manejo dos fatos e direcionar a composição a um desfecho ajustado para aquelas partes.

Na Escola de Negócios de Harvard, onde fiz o aperfeiçoamento das técnicas de negociações, pude perceber que o modelo não é o mais bem-sucedido por acaso. Entender e acolher, cognitiva e emocionalmente todas as partes envolvidas, possibilita a compreensão das as reais necessidades entre as partes. Esse movimento torna viável visualizar o espaço para negociação. Acende a luz para que possamos diferenciar as variáveis relevantes gerando nos clientes uma sensação de segurança e esperança em um desfecho suave e eficiente, bem longe das disputas judiciais.

Negociadores desatentos a esse aspecto, elevam a resistência das partes, promovendo um ambiente que reforça a insegurança, já tão presente nesse momento difícil que a família enfrenta. Quando as pessoas se sentem inseguras elas aumentam sua reatividade e isso sequestra a capacidade de tomarem
decisões ponderadas. Por isso a uma postura sensível diante da dor do cliente proporciona esse ambiente seguro onde a possibilidade de bons acordos floresce.

Imagine-se como aquela mesma criança de 5 anos de idade, mas agora você tem pais separados e que vivem a realidade de compartilhar saudavelmente seu tempo com você. Independente dos lares distintos e do novo modelo de família, o vínculo seguro segue presente. Você sabe que seus pais estarão na festinha da escola sem ressalvas, que eles estarão com você, te apoiando e reforçando o que verdadeiramente importa. E agora pense em cada um desses pais. Na possibilidade de elaborar o luto da relação conjugal afetiva, mas manter a integridade de sua parentalidade. Na possibilidade de viver em paz com aquele que um dia foi amor, mas hoje pode ser alguém importante com quem se pode contar.

Esse pode parecer um desfecho romântico, mas asseguro que é uma totalmente possível. Depende de nós mais do que das partes. No momento da dor, seremos nós, os negociadores, aptos a proporcionar esse senso faltante. Seremos nós os profissionais hábeis para o manejo do conflito. E isso se faz com bom domínio técnico e disponibilidade em se envolver verdadeiramente no processo da separação, preservando sobretudo a autonomia destas pessoas.

O advogado negociador, que escolhe o direito de família para atuação, precisa aprimorar habilidades que vão muito além do conteúdo ditado pelo direito. Deve reconhecer a abrangência de suas  habilidades, conhecer suas emoções e reconhecer os seus limites. Navegar por esse terreno emocional é o alicerce do processo. Só depois disso florescerão as técnicas que auxiliam no reconhecimento de oportunidades e criação de estratégias de negociações eficientes. Primeiro a terra, depois a semente. Necessariamente nessa ordem.

 

 

Niver M. Bossle Acosta - Advogada especialista em negociações em Direito de família

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