Além de enfrentarem a desigualdade de gênero, as mulheres trabalham mais, recebem menos e muitas delas ainda precisam lidar com crises de enxaqueca, ainda estigmatizada como "frescura" por muitos
A nova realidade do trabalho para muitos, em
tempos de pandemia, é o home office, que ganhou um capítulo inteiro na CLT em
última atualização da Reforma Trabalhista ( Lei 13.467/2017 )[1]. As vantagens são para os dois lados, empregador e
empregado, mas esse período de trabalho 100% remoto também trouxe à tona
diversos desafios: imagine ter que cuidar de si, da carreira, sem mencionar os
desafios da maternidade ou a carga de ser responsável por outras pessoas e, de
quebra, ter que fazer tudo isso com enxaqueca?!
Esse é o caso da Karla Spósito, advogada e mãe
de dois filhos: "tive receio de ir trabalhar, de me expor e correr o risco
de ser contaminada e contaminar quem vive comigo, mas além do isolamento social
por conta da pandemia, também tenho que me isolar quando tenho as crises. É uma
pressão, tanto física, por conta das dores, somada à pressão social/psicológica
que estamos vivendo, o que torna as crises ainda maisinsuportáveis. O medo do
desconhecido acabou me levando à exaustão, e, consequentemente, tive novas
crises de enxaqueca. Foi então que retomei meu tratamento e já comecei a notar
que os episódios têm sido menos intensos, agora espero chegar ao final do
tratamento livre das dores de cabeça que me acompanham há tantos anos",
relata Karla.
A enxaqueca é uma doença neurológica e crônica
- a terceira em maior prevalência no mundo[5] - e quase sempre impacta pessoas
em idade produtiva, entre 35 e 45 anos[6]. No Brasil, cerca de 30 milhões de
pessoas sofrem com a doença, que acomete três mulheres para
cada homem[2].
O estresse é um dos principais gatilhos para
uma pessoa que convive com a enfermidade[3] e somado aos acontecimentos dos
últimos meses, o distanciamento social e mudanças bruscas dos hábitos de
trabalho e em casa, as crises podem se intensificar, tornando esse período
cheio de altos e baixos. Não à toa, o estresse emocional tem grande
responsabilidade no início dessas crises[4].
Empoderamento feminino e enxaqueca
O tema ‘empoderamento feminino’ tem ganhado
força. Segundo a ONU Mulheres[11], "empoderar mulheres e promover a
equidade de gênero em todas as atividades sociais e da economia são garantias
para o efetivo fortalecimento das economias, o impulsionamento dos negócios, a
melhoria da qualidade de vida de mulheres, homens e crianças e para o
desenvolvimento sustentável". Porém, ainda há muito a ser feito para que
esses objetivos sejam alcançados.
No Brasil, o estudo de Estatísticas de Gênero
do IBGE[12] mostra que, enquanto as mulheres trabalham, em média, 54,4 horas
semanais entre cuidados com outras pessoas, afazeres domésticos e jornada fora
de casa, os homens trabalham 51,4 horas por semana. Apesar da jornada mais
longa e do nível de estudo superior ao dos homens, as mulheres ainda enfrentam
a discrepância salarial, pois recebem, em média, 20% menos que a dos colegas do
sexo oposto[7].
O cenário apresentado acima não leva em
consideração fatores que as profissionais precisam enfrentar todos os dias, se
quiserem avançar em suas carreiras. No caso das pacientes com enxaqueca, por
exemplo, existe o receio de perder um dia de trabalho devido uma crise ou ainda
de ser menos produtiva, o chamado "presenteísmo"[13]. Além de ter que
aprender a lidar com as crises, muitas mulheres se sentem, frequentemente,
culpadas, com receio de como serão vistas e das possíveis oportunidades de
carreira que serão perdidas para a enxaqueca. Isso se deve ao estigma e à
negligência que a migrânea, como pode ser chamada a enxaqueca, carrega na
percepção de outras pessoas, que a consideram apenas uma dor de cabeça.
Eliana Melhado, neurologista e especialista em
Cefaleia, Membro da International Headache Society, Coordenadora do Comitê de
Cefaleia na Mulher da Sociedade Brasileira de Cefaleia e professora
universitária, ressalta que "grande parte das pessoas enfrenta dores de
cabeça durante suas vidas[8], mas a enxaqueca é muito mais intensa e elaborada.
Além de ser uma doença sistêmica, ela pode vir acompanhada de vômitos, náuseas,
sensibilidade à luz, sons e cheiros9". A neurologista também alerta que a
enxaqueca pode ser incapacitante se não tratada corretamente. "Dores
frequentes, mais de três ou quatro episódios por mês, são um sinal de que algo
está errado, inclusive porque a frequência aumenta, se tornando crônica. Por
isso, é sempre importante consultar um médico.".
No caso da enxaqueca, o neurologista é o
profissional especializado em diagnosticar e tratar esse tipo de distúrbio,
para que ele não progrida para uma doença mais grave.
Rede de apoio
Sabemos que enxaqueca é coisa séria, deve ser
diagnosticada e receber o tratamento correto o quanto antes para que as crises
e seus sintomas sejam evitados. Empoderar-se e ter conhecimento sobre a doença
é importante. Assim como informar outras pessoas sobre os efeitos da migrânea
pode significar a libertação de um estigma.
Existem diversos formatos de conteúdo de fontes
confiáveis sobre a doença. Os podcasts, por exemplo, se tornaram uma poderosa
fonte de informação. Eles abordam diversas temáticas como saúde e bem-estar,
lazer, games, notícias, entre muitas outras. No caso da enxaqueca em mulheres,
o "Xô, enxaqueca" é um deles. Comandado por Daniela Miguel,
o podcast aborda diversos assuntos e conta com a ajuda de profissionais que
desmistificam a doença e dão dicas de como as mulheres podem lidar com ela.
Além desse, outros podcasts surgiram com o
objetivo de empoderar mulheres para que elas sejam protagonistas das suas
próprias histórias, alguns deles são: Mamilos, Histórias de Ninar Para
Garotas Rebeldes, Pretas na Rede, Imagina Juntas, Olhares Podcast, Projeto
Piloto, Chá com Rapadura e Coffea.
Cuidar da casa, ser mãe, trabalhar fora, são
muitos os desafios e pressões sociais. Porém, a enxaqueca não pode ser mais um
obstáculo na vida da mulher. A Dra. Eliana reitera que é possível tratar a
doença de maneira eficaz. "Nenhum paciente com enxaqueca precisa viver com
crises frequentes e incapacitantes, pois, hoje em dia, já temos no Brasil
medicamentos para o tratamento não só dos sintomas, mas da doença em si, que
melhoram muito a qualidade de vida da pessoa", diz a médica.
A médica reforça que é importante fazer um
acompanhamento com um profissional e seguir o tratamento prescrito. "Além
do medicamento, os pacientes devem manter os horários de sono regulares e
preservar hábitos saudáveis, como a alimentação, por exemplo, para diminuir a
frequência de crises[10]. Estes podem ser fatores desencadeantes (não causais,
pois a causa é genética) que devem ser evitados na medida do possível, uma vez
que o tratamento preventivo adequado leva a uma redução do impacto de gatilhos
no indivíduo. A mulher tem como gatilho a menstruação em 50-60%[14] das vezes,
e essa forma de enxaqueca também tem tratamento. A mulher merece estar em sua
plena forma para exercer seus papeis. Sempre é importante lembrar que atividade
física reduz a frequência e intensidade das crises de enxaqueca",
completa.
Se por algum outro motivo você sente que
precisa de ajuda, ou conhece alguém que precise, veja os telefones abaixo e
guarde-os em algum lugar que possa acessá-los facilmente.
Disque Saúde - 136
Centro de Valorização da Vida - 188
Central de Atendimento à Mulher - 180
Novartis
Referências
1 Justiça do Trabalho. "Especial
Teletrabalho: o trabalho onde você estiver" Disponível em: http://www.tst.jus.br/teletrabalho#:~:text=O%20empregado%20contratado%20para%20trabalhar,de%20transi%C3%A7%C3%A3o%20de%2015%20dias..
Acesso em 24 de julho de 2020.
2 Migraine Research Foundation. "Migraine
is a women’s health issue". Disponível em: http://migraineresearchfoundation.org/about-migraine/migraine-in-women/
Acesso em 24 de julho de 2020.
3 Galego, J. C. B. (2006). Cefaléia crônica
diária: Classificação, estresse e impacto sobre a qualidade de vida.
(Unpublished doctoral dissertation). Faculdade de Medicina de São José do Rio
Preto, São José do Rio Preto.
4 Lipp, M. E. N., & Malagris, L. E. N.
(2001). Stress: Aspectos históricos, teóricos e clínicos. In B. Rangé (Ed.),
Psicoterapia cognitivo-comportamentais: Um diálogo com a psiquiatria
5 Migraine Research Foundation. Migraine Fact
Sheet. 2015. http://www.migraineresearchfoundation.org/fact-sheet.html.
Acessado em 27 de julho de 2020.
6 World Health Organization. Online Q&A:
How common are headaches?. Disponível em: http://www.who.int/features/qa/25/en.
Acessado em 27 de julho de 2020
7 Nações Unidas Brasil. Mulheres ainda tem
dificuldade para encontrar emprego e subir na carreira. Disponível em: http://nacoesunidas.org/mulheres-ainda-tem-dificuldades-para-encontrar-emprego-e-subir-na-carreira/.
Acessado em 27 de julho de 2020.
8 Migraine Research Foundation. What is
migraine? Disponível em: http://migraineresearchfoundation.org/about-migraine/what-is-migraine/.
Acesso em 27 de julho de 2020.
9 National Institute for Neurological Disorders
and Stroke. http://www.ninds.nih.gov/Disorders/All-Disorders/Migraine-Information-Page
(link is external). Acessado em 27 de julho de 2020.
10 Site Sociedade Brasileira de Cefaleia.
Disponível em http://www.sbcefaleia.com.br/noticias.php?id=469. Acesso em maio de 2020.
11 ONU Mulheres. Disponível em: http://www.onumulheres.org.br/referencias/principios-de-empoderamento-das-mulheres/.
Acesso em 28/07/2020.
12 Agência IBGE Notícias. Disponível em: http://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/20234-mulher-estuda-mais-trabalha-mais-e-ganha-menos-do-que-o-homem.
Acesso em 28/07/2020.
13 Shimabuku, Rose Helen, Helenides Mendonça, and
Ariana Fidelis. "Presenteísmo." Cadernos de Psicologia Social do
Trabalho 20.1 (2017): 65-78.
14 The migraine trust. Disponível em: http://www.migrainetrust.org/about-migraine/trigger-factors/menstruation/. Acesso em 11/08/2020
Nenhum comentário:
Postar um comentário