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terça-feira, 22 de setembro de 2020

Enxaqueca: como as mulheres lidam com a doença e equilibram vida pessoal e profissional?

Além de enfrentarem a desigualdade de gênero, as mulheres trabalham mais, recebem menos e muitas delas ainda precisam lidar com crises de enxaqueca, ainda estigmatizada como "frescura" por muitos

 

A nova realidade do trabalho para muitos, em tempos de pandemia, é o home office, que ganhou um capítulo inteiro na CLT em última atualização da Reforma Trabalhista ( Lei 13.467/2017 )[1]. As vantagens são para os dois lados, empregador e empregado, mas esse período de trabalho 100% remoto também trouxe à tona diversos desafios: imagine ter que cuidar de si, da carreira, sem mencionar os desafios da maternidade ou a carga de ser responsável por outras pessoas e, de quebra, ter que fazer tudo isso com enxaqueca?!

Esse é o caso da Karla Spósito, advogada e mãe de dois filhos: "tive receio de ir trabalhar, de me expor e correr o risco de ser contaminada e contaminar quem vive comigo, mas além do isolamento social por conta da pandemia, também tenho que me isolar quando tenho as crises. É uma pressão, tanto física, por conta das dores, somada à pressão social/psicológica que estamos vivendo, o que torna as crises ainda maisinsuportáveis. O medo do desconhecido acabou me levando à exaustão, e, consequentemente, tive novas crises de enxaqueca. Foi então que retomei meu tratamento e já comecei a notar que os episódios têm sido menos intensos, agora espero chegar ao final do tratamento livre das dores de cabeça que me acompanham há tantos anos", relata Karla.

A enxaqueca é uma doença neurológica e crônica - a terceira em maior prevalência no mundo[5] - e quase sempre impacta pessoas em idade produtiva, entre 35 e 45 anos[6]. No Brasil, cerca de 30 milhões de pessoas sofrem com a doença, que acomete três mulheres para cada homem[2].

O estresse é um dos principais gatilhos para uma pessoa que convive com a enfermidade[3] e somado aos acontecimentos dos últimos meses, o distanciamento social e mudanças bruscas dos hábitos de trabalho e em casa, as crises podem se intensificar, tornando esse período cheio de altos e baixos. Não à toa, o estresse emocional tem grande responsabilidade no início dessas crises[4].


Empoderamento feminino e enxaqueca

O tema ‘empoderamento feminino’ tem ganhado força. Segundo a ONU Mulheres[11], "empoderar mulheres e promover a equidade de gênero em todas as atividades sociais e da economia são garantias para o efetivo fortalecimento das economias, o impulsionamento dos negócios, a melhoria da qualidade de vida de mulheres, homens e crianças e para o desenvolvimento sustentável". Porém, ainda há muito a ser feito para que esses objetivos sejam alcançados.

No Brasil, o estudo de Estatísticas de Gênero do IBGE[12] mostra que, enquanto as mulheres trabalham, em média, 54,4 horas semanais entre cuidados com outras pessoas, afazeres domésticos e jornada fora de casa, os homens trabalham 51,4 horas por semana. Apesar da jornada mais longa e do nível de estudo superior ao dos homens, as mulheres ainda enfrentam a discrepância salarial, pois recebem, em média, 20% menos que a dos colegas do sexo oposto[7].

O cenário apresentado acima não leva em consideração fatores que as profissionais precisam enfrentar todos os dias, se quiserem avançar em suas carreiras. No caso das pacientes com enxaqueca, por exemplo, existe o receio de perder um dia de trabalho devido uma crise ou ainda de ser menos produtiva, o chamado "presenteísmo"[13]. Além de ter que aprender a lidar com as crises, muitas mulheres se sentem, frequentemente, culpadas, com receio de como serão vistas e das possíveis oportunidades de carreira que serão perdidas para a enxaqueca. Isso se deve ao estigma e à negligência que a migrânea, como pode ser chamada a enxaqueca, carrega na percepção de outras pessoas, que a consideram apenas uma dor de cabeça.

Eliana Melhado, neurologista e especialista em Cefaleia, Membro da International Headache Society, Coordenadora do Comitê de Cefaleia na Mulher da Sociedade Brasileira de Cefaleia e professora universitária, ressalta que "grande parte das pessoas enfrenta dores de cabeça durante suas vidas[8], mas a enxaqueca é muito mais intensa e elaborada. Além de ser uma doença sistêmica, ela pode vir acompanhada de vômitos, náuseas, sensibilidade à luz, sons e cheiros9". A neurologista também alerta que a enxaqueca pode ser incapacitante se não tratada corretamente. "Dores frequentes, mais de três ou quatro episódios por mês, são um sinal de que algo está errado, inclusive porque a frequência aumenta, se tornando crônica. Por isso, é sempre importante consultar um médico.".

No caso da enxaqueca, o neurologista é o profissional especializado em diagnosticar e tratar esse tipo de distúrbio, para que ele não progrida para uma doença mais grave.


Rede de apoio

Sabemos que enxaqueca é coisa séria, deve ser diagnosticada e receber o tratamento correto o quanto antes para que as crises e seus sintomas sejam evitados. Empoderar-se e ter conhecimento sobre a doença é importante. Assim como informar outras pessoas sobre os efeitos da migrânea pode significar a libertação de um estigma.

Existem diversos formatos de conteúdo de fontes confiáveis sobre a doença. Os podcasts, por exemplo, se tornaram uma poderosa fonte de informação. Eles abordam diversas temáticas como saúde e bem-estar, lazer, games, notícias, entre muitas outras. No caso da enxaqueca em mulheres, o "Xô, enxaqueca" é um deles. Comandado por Daniela Miguel, o podcast aborda diversos assuntos e conta com a ajuda de profissionais que desmistificam a doença e dão dicas de como as mulheres podem lidar com ela.

Além desse, outros podcasts surgiram com o objetivo de empoderar mulheres para que elas sejam protagonistas das suas próprias histórias, alguns deles são: Mamilos, Histórias de Ninar Para Garotas Rebeldes, Pretas na Rede, Imagina Juntas, Olhares Podcast, Projeto Piloto, Chá com Rapadura e Coffea.

Cuidar da casa, ser mãe, trabalhar fora, são muitos os desafios e pressões sociais. Porém, a enxaqueca não pode ser mais um obstáculo na vida da mulher. A Dra. Eliana reitera que é possível tratar a doença de maneira eficaz. "Nenhum paciente com enxaqueca precisa viver com crises frequentes e incapacitantes, pois, hoje em dia, já temos no Brasil medicamentos para o tratamento não só dos sintomas, mas da doença em si, que melhoram muito a qualidade de vida da pessoa", diz a médica.

A médica reforça que é importante fazer um acompanhamento com um profissional e seguir o tratamento prescrito. "Além do medicamento, os pacientes devem manter os horários de sono regulares e preservar hábitos saudáveis, como a alimentação, por exemplo, para diminuir a frequência de crises[10]. Estes podem ser fatores desencadeantes (não causais, pois a causa é genética) que devem ser evitados na medida do possível, uma vez que o tratamento preventivo adequado leva a uma redução do impacto de gatilhos no indivíduo. A mulher tem como gatilho a menstruação em 50-60%[14] das vezes, e essa forma de enxaqueca também tem tratamento. A mulher merece estar em sua plena forma para exercer seus papeis. Sempre é importante lembrar que atividade física reduz a frequência e intensidade das crises de enxaqueca", completa.

Se por algum outro motivo você sente que precisa de ajuda, ou conhece alguém que precise, veja os telefones abaixo e guarde-os em algum lugar que possa acessá-los facilmente.



Disque Saúde - 136

Centro de Valorização da Vida - 188

Central de Atendimento à Mulher - 180

Novartis

http://www.novartis.com

 

 

Referências

1 Justiça do Trabalho. "Especial Teletrabalho: o trabalho onde você estiver" Disponível em: http://www.tst.jus.br/teletrabalho#:~:text=O%20empregado%20contratado%20para%20trabalhar,de%20transi%C3%A7%C3%A3o%20de%2015%20dias.. Acesso em 24 de julho de 2020.

2 Migraine Research Foundation. "Migraine is a women’s health issue". Disponível em: http://migraineresearchfoundation.org/about-migraine/migraine-in-women/ Acesso em 24 de julho de 2020.

3 Galego, J. C. B. (2006). Cefaléia crônica diária: Classificação, estresse e impacto sobre a qualidade de vida. (Unpublished doctoral dissertation). Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto, São José do Rio Preto.

4 Lipp, M. E. N., & Malagris, L. E. N. (2001). Stress: Aspectos históricos, teóricos e clínicos. In B. Rangé (Ed.), Psicoterapia cognitivo-comportamentais: Um diálogo com a psiquiatria

5 Migraine Research Foundation. Migraine Fact Sheet. 2015. http://www.migraineresearchfoundation.org/fact-sheet.html. Acessado em 27 de julho de 2020.

6 World Health Organization. Online Q&A: How common are headaches?. Disponível em: http://www.who.int/features/qa/25/en. Acessado em 27 de julho de 2020

7 Nações Unidas Brasil. Mulheres ainda tem dificuldade para encontrar emprego e subir na carreira. Disponível em: http://nacoesunidas.org/mulheres-ainda-tem-dificuldades-para-encontrar-emprego-e-subir-na-carreira/. Acessado em 27 de julho de 2020.

8 Migraine Research Foundation. What is migraine? Disponível em: http://migraineresearchfoundation.org/about-migraine/what-is-migraine/. Acesso em 27 de julho de 2020.

9 National Institute for Neurological Disorders and Stroke. http://www.ninds.nih.gov/Disorders/All-Disorders/Migraine-Information-Page (link is external). Acessado em 27 de julho de 2020.

10 Site Sociedade Brasileira de Cefaleia. Disponível em http://www.sbcefaleia.com.br/noticias.php?id=469. Acesso em maio de 2020.

11 ONU Mulheres. Disponível em: http://www.onumulheres.org.br/referencias/principios-de-empoderamento-das-mulheres/. Acesso em 28/07/2020.

12 Agência IBGE Notícias. Disponível em: http://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/20234-mulher-estuda-mais-trabalha-mais-e-ganha-menos-do-que-o-homem. Acesso em 28/07/2020.

13 Shimabuku, Rose Helen, Helenides Mendonça, and Ariana Fidelis. "Presenteísmo." Cadernos de Psicologia Social do Trabalho 20.1 (2017): 65-78.

14 The migraine trust. Disponível em: http://www.migrainetrust.org/about-migraine/trigger-factors/menstruation/. Acesso em 11/08/2020


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